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A descoberta do mundo, de Clarice Lispector — Parte 04

Clarice Lispector
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad


"Mãe é: não morrer"


"O que chamo de morte me atrai tanto que só posso chamar de valoroso o modo como, por solidariedade com os outros, eu ainda me agarro ao que chamo de vida. Seria profundamente amoral não esperar, como os outros esperam, pela hora, seria esperteza demais a minha de avançar no tempo, e imperdoável ser mais sabida do que os outros. Por isso, apesar da intensa curiosidade, espero"


"Se me perguntassem sobre Ofélia e seus pais, teria respondido com o decoro da honestidade: mal os conheci. Diante do mesmo júri ao qual responderia: mal me conheço – e para cada cara de jurado diria com o mesmo límpido olhar de quem se hipnotizou para a obediência: mal vos conheço. Mas às vezes acordo do longo sono e volto-me com docilidade para o delicado abismo da desordem"


"A verdade sempre destrói a humanidade. Uma vez um homem foi acusado de ser o que era e foi chamado de 'Aquele Homem'. Não tinham mentido: ele era. Mas até hoje ainda não nos recuperamos" 


"O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão"


"Tornar um livro atraente é um truque perfeitamente legítimo. Prefiro, no entanto, escrever com o mínimo de truques. Para minhas leituras prefiro o atraente, pois me cansa menos, exige menos de mim como leitora, pede pouco de mim como participação íntima. Mas para escrever quero prescindir de tudo o que eu puder prescindir"


"Um escritor vivo é risco constante. É homem que pode amanhã injustificar a admiração que se teve por sua obra com um mau discurso, com um livro mais fraco"


"No próprio instante de se ver o ovo ele é a lembrança de um ovo. – Só vê o ovo quem já o tiver visto. Como um homem que, para entender o presente, precisa ter tido um passado"


"Doloroso para mim ser o objeto do ódio daquele homem que de certo modo eu amava. Não o amava como a mulher que eu seria um dia, amava-o como uma criança que tenta desastradamente proteger um adulto, com a cólera de quem ainda não foi covarde e vê um homem forte de ombros tão curvos. Ele me irritava" 


"Estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda eu é que não podia; ter nascido era cheio de erros a corrigir"


"No grande parque do colégio lentamente comecei a aprender a ser amada, suportando o sacrifício de não merecer, apenas para suavizar a dor de quem não ama" 


"Ninguém sabe como se sente por dentro aquele cujo emprego consiste em fingir que está traindo, e que termina acreditando na própria traição. Cujo emprego consiste em diariamente esquecer. Aquele de quem é exigida a aparente desonra"



Trechos presentes no livro de crônicas "A descoberta do mundo" (Rocco, 2008), de Clarice Lispector.

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