Clarice Lispector
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad
"Eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente"
"Nós estamos tão longe de compreender o mundo que nossa cabeça não consegue raciocinar senão à base de finitos (...) O pouco que sei não dá para compreender a vida, então a explicação está no que desconheço e que tenha a esperança de poder vir a conhecer um pouco mais"
"O sentimento mais rápido, que chega a ser apenas um fulgor, é o instante em que um homem e uma mulher sentem um no outro a promessa de um grande amor"
"O desespero da existência eterna do tempo, assim como o universo, sempre existiu (...) O tempo não é a duração de uma vida. O tempo antes de nós é tão eterno quanto o tempo à nossa frente. No ano 8000, se houver gente, haverá uma religião nova – uma que admita que o imaterial se materialize, uma que não tenha medo da morte, pois este é um problema apenas pessoal"
"Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente"
"O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo nem nota que venceu"
"Bem sei o que é o chamado verdadeiro romance. No entanto, ao lê-lo, com suas tramas de fatos e descrições, sinto-me apenas aborrecida. E quando escrevo não é o clássico romance. No entanto é romance mesmo (...) O que eu fiz, apenas, foi ir me obedecendo (...) – é na verdade o que eu faço quando escrevo, e agora mesmo está sendo assim. Vou me seguindo, mesmo sem saber ao que me levará. Às vezes ir me seguindo é tão difícil – por estar seguindo em mim o que ainda não passa de uma nebulosa – que termino desistindo"
"Às vezes, quando vejo uma pessoa que nunca vi, e tenho algum tempo para observá-la, eu me encarno nela e assim dou um grande passo para conhecê-la. E essa intrusão numa pessoa, qualquer que seja ela, nunca termina pela sua própria autoacusação: ao nela me encarnar, compreendo-lhe os motivos e perdoo. Preciso é prestar atenção para não me encarnar numa vida perigosa e atraente, e que por isso mesmo eu não queira o retorno a mim mesmo"
"Brasília é mal-assombrada. É o perfil imóvel de uma coisa. – De minha insônia olho pela janela do hotel às três horas da madrugada. Brasília é paisagem da insônia. Nunca adormece. – Aqui o ser orgânico não se deteriora. Petrifica-se"
"Era preciso tentar escrever sempre, não esperar por um momento melhor porque este simplesmente não vinha. Escrever sempre me foi difícil, embora tivesse partido do que se chama vocação. Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir"
Trechos presentes no livro de crônicas "A descoberta do mundo" (Rocco, 2008), de Clarice Lispector.
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