Clarice Lispector
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad
"Todo prazer intenso toca no limiar da dor"
"Se você se sente infeliz agora, tome alguma previdência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe"
"O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta (...) Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível (...) O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição"
"– Quem é Deus?
– Todos algumas vezes. Nada, sempre.
(...)
– Como é uma mulher bonita para você?
– Feita de muitas mulheres
(...)
– Qual de seus livros você mais gosta?
– O próximo.
(...)
– Você já sofreu muito por amor?
– Estou disposto a sofrer mais"
"Comíamos. Como quem dá água ao cavalo. A carne trinchada foi distribuída. A cordialidade era rude e rural. Ninguém falou mal de ninguém porque ninguém falou bem de ninguém. Era reunião de colheita, fez-se trégua mesmo às saudades. Comíamos. Com uma horda de seres vivos, cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como quem lavra a existência, e planta e colhe, e mata, e vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de quem não engana o que come: comi aquela comida, não o seu nome (...) A comida dizia, rude, feliz, austera: come, come e reparte"
"Ao ovo dedico a nação chinesa"
"Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada"
"Precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la (...) precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais (...) Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama"
"Eu sou tão má leitora que, agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras mais importantes da humanidade (...) chego de vez em quando a ter mais preguiça de ler do que de escrever. Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros 'uma profissão' (...) escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora?"
"Toda mulher, ao saber que está grávida, leva a mão à garganta: ela sabe que dará à luz um ser que seguirá forçosamente o caminho de Cristo, caindo na sua via muitas vezes sob o peso da cruz. Não há como escapar"
"Passou a transportar para as telas, com a mão esquerda (...) transparências e luzes e levezas que antes ele não parecia ter conhecido e ter sido iluminado por elas: tenho um quadro, de antes da doença, que é quase totalmente negro. A luz lhe viera depois das trevas da doença"
Trechos presentes no livro de crônicas "A descoberta do mundo" (Rocco, 2008), de Clarice Lispector.
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