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A descoberta do mundo, de Clarice Lispector — Parte 06

Clarice Lispector
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad


"O horrível dever é ir até o fim. E sem contar com ninguém. Viver a própria realidade. Descobrir a verdade. E, para sofrer menos, embotar-me um pouco. Pois não posso mais carregar as dores do mundo"


"Desculpem, mas se morre"


"O processo de viver é feito de erros – a maioria essenciais – de coragem e preguiça, desespero e esperança de vegetativa atenção, de sentimento constante (não pensamento) que não conduz a nada, e de repente aquilo que se pensou que era 'nada' – era o próprio assustador contato com a tessitura do viver – e esse instante de reconhecimento (igual a uma revelação) precisa ser recebido com a maior inocência, com a inocência de que se é feito. O processo é difícil? Mas seria como chamar de difícil o modo extremamente caprichoso e natural como uma flor é feita"


"Fui inesperadamente passar três dias no Egito. Vi as pirâmides de noite. Fui de carro, a noite estava completamente escura. Saltei e perguntei: mas onde estão as pirâmides? Pois estavam a uns dois metros de distância. Assustei-me. De dia elas são menos perigosas (...) Vi a Esfinge. Não a decifrei. Mas ela também não me decifrou. Encaramo-nos de igual para igual. Ela me aceitou, eu a aceitei. Cada uma com o seu mistério"


"A quem não conviveu com um animal falta um certo tipo de intuição do mundo vivo. Quem se recusa à visão de um bicho está com medo de si próprio (...) Eu não humanizo os bichos, acho que é uma ofensa – há de respeitar-lhes a natura – eu é que me animalizo. Não é difícil, vem simplesmente, é só não lutar contra, é só entregar-se"


"Meu pai morreu em plena maturidade: choque operatório. Fiquei perplexa. Mas de algum modo as pessoas são eternas. Quem me lê também"


"Não acredito em poesia clubificada, acho que ela é, como todo trabalho criador, inclubificável. É apenas uma comunhão solitária com um leitor desconhecido que às vezes se manifesta e por um instante nos aquece o coração cansado pelo esforço de viver"


"Certas pessoas achavam meus livros difíceis e no entanto achavam perfeitamente fácil entender-me no jornal, mesmo quando publico textos mais complicados (...) Respondi (...) que a compreensão do leitor depende muito de sua atitude na abordagem do texto, de sua predisposição, de sua isenção de ideias preconcebidas. E o leitor do jornal, habituado a ler sem dificuldade o jornal, está predisposto a entender tudo. E isto simplesmente porque 'jornal é para ser entendido'. Não há dúvida, porém, de que eu valorizo muito mais o que escrevo em livros do que o que escrevo para jornais"


"Tom Jobim foi o meu padrinho no I Festival de Escritores, não me lembro em que ano, no lançamento de meu romance A maçã no escuro. E na nossa barraca ele fazia brincadeiras: segurava o livro na mão e perguntava:
– Quem compra? Quem quer comprar?
Não sei, mas o fato é que vendi todos os exemplares"


"Essa grafia, Xico Buark, foi inventada por Millôr Fernandes, numa noite no Antonio's. Gostei como quando eu brincava com palavras em criança. Quanto ao Chico, apenas sorriu um sorriso duplo: um por achar engraçado, outro mecânico e tristonho de quem foi aniquilado pela fama. Se Xico Buark não combina com a figura pura e um pouco melancólica de Chico, combina com a qualidade que ele tem de deixar os outros o chamarem e ele vir, com a capacidade que tem de sorrir conservando muitas vezes os olhos verdes abertos e sem riso. Não é um garoto, mas se existisse no reino animal um bicho pensativo e belo e eternamente jovem que se chamasse garoto, Francisco Buarque de Holanda seria dessa raça montanhosa"


"Esse, tenho certeza, não fumava maconha: tinha em si a capacidade de êxtase, como eu. Há os que já têm o LSD em si, sem precisar tomá-lo"


"A multidão de Nova Iorque é o meio mais fácil de a pessoa ficar solitária"



Trechos presentes no livro de crônicas "A descoberta do mundo" (Rocco, 2008), de Clarice Lispector.

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