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O avô, poema de Ruy Espinheira Filho

Meu avô materno João Euzébio Alves de Oliveira (1900-1969)


O avô
Ruy Espinheira Filho

1
O avô descansa
de quase um século.
O rosto é sereno
(não sei como pode
mostrar essa calma
após tanto tempo)
e as mãos despediram
todos os gestos.

O avô entre rosas
com seu terno escuro.
Pela primeira vez
indiferente.
Pela primeira vez
desatencioso
com mulher, filhos, netos,
conhecidos, o mundo.

Nem que implorássemos
nos recontaria
as tantas lembranças
entre farrapos de ópera.
Descansa tão fundo e
alto que é impossível
despertá-lo, saber
mesmo onde repousa.
No entanto está em nós
e nos impõe seus traços,
cor de olhos, jeito
de andar, sorrir, falar.

E o mais difícil de
cumprir:
                 a insuavizável
dignidade.

2
Avô, já nos retiramos.
Em silêncio vamos descendo
a ladeira. Pó do teu pó,
flutuaremos até
que o vento contenha o sopro.
E então te herdaremos
também essa paz final.
Absoluta. Tão perfeita
que nem a saberemos


Na foto, meu avô materno, João Euzébio Alves de Oliveira (1900-1969), homem empreendedor, comerciante e fazendeiro próspero, esteio da família. Não o conheci.

O poema de Ruy está no livro Julgado do vento (Civilização Brasileira, 1979) e no imperdível e necessário Estação Infinita e outras estações, com sua obra poética reunida.

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