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O drible, de Sérgio Rodrigues

Sérgio Rodrigues
Foto: Bel Pedrosa | Arte: Mirdad

Se tem uma coisa para que serve o consumismo de Natal é aumentar as vendas de livros. Então, para você que busca um presente legal para o amigo secreto da firma, recomendo o romance "O drible" (Companhia das Letras, 2013), do escritor Sérgio Rodrigues.

Disparado, é um dos melhores lançamentos de 2013 e ainda traz um personagem mítico, o craque Peralvo que, por um dom sobrenatural, enxerga a vida antes dos outros e com isso faz funcionar os seus dribles de maneira perfeita.

Muito feliz pela coincidência de poderes paranormais, já que o meu ainda engavetado goleiro Muralha também é um gênio do futebol [nunca tomou gol] porque a velocidade de seu raciocínio transforma os movimentos em câmera lenta. Mas, independentemente pela relação afetiva por proximidade à obra, recomendo "O drible" porque é diversão garantida, com grandes sacadas espinhentas, uma ironia constante, e uma fluidez cinematográfica. Seguem abaixo as pílulas:


Parte I
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"Muita coisa distancia vida afora pessoas que se contemplam sobre um abismo de vinte ou trinta anos (...) mas são praticamente indissolúveis os laços forjados na infância em torno das cores de uma camisa, do culto a ídolos vivos ou mortos, do frenesi terrível de se apertarem lado a lado entre milhares de seres humanos reduzidos a uivos primais"

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Parte II
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"Era a mesma sensação que tivera na infância ao matar a porretadas (...) o filhotinho de gato amarelo (...) A vertigem de ter ido longe demais, de ter agido de forma atroz e já não poder recuar. A náusea de saber que viveria para sempre com a lembrança da carinha assustada do bicho. A consciência de ser um monstro"

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Parte III
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"Ser o segundo representava um progresso e tanto para quem tinha sido tão bem adestrado pelo pai a se ver como o último"

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