Pular para o conteúdo principal

O drible, de Sérgio Rodrigues — Parte 03

Sérgio Rodrigues
Foto: Bel Pedrosa | Arte: Mirdad


"O pop não tem história, só revival"


"O revival é um canhão de luz de foco estreito vasculhando um lixão"


"O que tem história é a arte. O pop é aquilo que vem depois da arte, o tanque de ácido em que a arte se dissolve (...) O pop está condenado, my good old Kopo Deleche, a ser um fluxo contínuo. Só existe no presente. Alguns cadáveres do pop podem ser tirados da cova de vez em quando, vagar uns tempos por aí como zumbis (...) Mortos-vivos mantidos de pé pelo fetichismo. Só a história poderia salvá-los, mas ela é a sua primeira vítima"


"O revival é ao mesmo tempo mais acrítico e mais seletivo do que a história. Não quer saber do quadro, da moldura. Só se interessa pelo detalhe fetichista fora de contexto. É tão kitsch quanto uma miniatura do Capitólio numa praça de Caruaru"


"Gostaria de poder encerrar aqui, com essa imagem cósmica, a história triste do meu conterrâneo. Morreu a estrela, acabou-se o livro: vamos todos cuidar da vida? Adoraria dizer que sim, vamos, e fim. Infelizmente não posso, não posso encerrar aqui. A vida que sobra sempre guarda ecos de um evento dessa magnitude, que, como foi dito, impacta mundos. Você fecha o livro para cuidar da vida e às vezes demora a se dar conta de que estará preso por um longo tempo, talvez para sempre, em sua malha de aniquilação"


"Ser o segundo representava um progresso e tanto para quem tinha sido tão bem adestrado pelo pai a se ver como o último"


"Com um atraso de quarenta minutos, que nos padrões da medicina privada brasileira passava por pontualidade, a mulher-bóxer segurou a porta para que ele entrasse num consultório confortável que a exiguidade da sala de espera fazia parecer maior. Atrás de uma mesa de tampo de vidro organizada com capricho neurótico, um homem baixinho e careca de cerca de quarenta anos exalando forte perfume cítrico se pôs de pé e lhe estendeu uma fria mão de réptil. Seu sorriso protocolar, tenso e curto, detinha-se a meio centímetro do esgar de desprezo. Fez sinal para Neto sentar numa das duas cadeiras de couro de frente para a mesa, ambas mais baixas que a sua, que era de espaldar alto. Observou-o com olhos claros sem expressão enquanto ele explicava o que o levava ali"


"Às vezes, que me perdoem os amigos marxistas, fatos que parecem ter causas sociais, históricas, coletivas, são mais inteligíveis quando os reduzimos à dimensão da miséria pessoal: amor e ódio, rancor e traição"



Trechos extraídos do romance "O drible" (Companhia das Letras, 2013), de Sérgio Rodrigues.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Seleta: Gipsy Kings

A “ Seleta: Gipsy Kings ” destaca as 90 músicas que mais gosto do grupo cigano, presentes em 14 álbuns (os prediletos são “ Gipsy Kings ”, “ Este Mundo ”, “ Somos Gitanos ” e “ Love & Liberté ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 14 álbuns participantes desta Seleta 01) Un Amor [Gipsy Kings, 1987] 02) Tu Quieres Volver [Gipsy Kings, 1987] 03) Habla Me [Este Mundo, 1991] 04) Como un Silencio [Somos Gitanos, 2001] 05) A Mi Manera (Comme D'Habitude) [Gipsy Kings, 1987] 06) Amor d'Un Dia [Luna de Fuego, 1983] 07) Bem, Bem, Maria [Gipsy Kings, 1987] 08) Baila Me [Este Mundo, 1991] 09) La Dona [Live, 1992] 10) La Quiero [Love & Liberté, 1993] 11) Sin Ella [Este Mundo, 1991] 12) Ciento [Luna de Fuego, 1983] 13) Faena [Gipsy Kings, 1987] 14) Soledad [Roots, 2004] 15) Mi Corazon [Estrellas, 1995] 16) Inspiration [Gipsy Kings, 1987] 17) A Tu Vera [Estrellas, 1995] 18) Djobi Djoba [Gipsy Kings, 1987] 19) Bamboleo [Gipsy Kings, 1987] 20) Volare (Nel

Seleta: Ramones

A “ Seleta: Ramones ” destaca as 154 músicas (algumas dobradas em versões ao vivo) que mais gosto da banda nova-iorquina, presentes em 19 álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Ramones ”, “ Loco Live ”, “ Mondo Bizarro ”, “ Road to Ruin ” e “ Rocket to Russia ”). Ouça no Spotify aqui [não tem todas as músicas] Ouça no YouTube aqui Os 19 álbuns participantes desta Seleta 01) The KKK Took My Baby Away [Pleasant Dreams, 1981] 02) Needles and Pins [Road to Ruin, 1978] 03) Poison Heart [Mondo Bizarro, 1992] 04) Pet Sematary [Brain Drain, 1989] 05) Strength to Endure [Mondo Bizarro, 1992] 06) I Wanna be Sedated [Road to Ruin, 1978] 07) It's Gonna Be Alright [Mondo Bizarro, 1992] 08) I Believe in Miracles [Brain Drain, 1989] 09) Out of Time [Acid Eaters, 1993] 10) Questioningly [Road to Ruin, 1978] 11) Blitzkrieg Bop [Ramones, 1976] 12) Rockaway Beach [Rocket to Russia, 1977] 13) Judy is a Punk [Ramones, 1976] 14) Let's Dance [Ramones, 1976] 15) Surfin' Bi

Oito passagens de Conceição Evaristo no livro de contos Olhos d'água

Conceição Evaristo (Foto: Mariana Evaristo) "Tentando se equilibrar sobre a dor e o susto, Salinda contemplou-se no espelho. Sabia que ali encontraria a sua igual, bastava o gesto contemplativo de si mesma. E no lugar da sua face, viu a da outra. Do outro lado, como se verdade fosse, o nítido rosto da amiga surgiu para afirmar a força de um amor entre duas iguais. Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras e com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça. Ambas aves fêmeas, ousadas mergulhadoras na própria profundeza. E a cada vez que uma mergulhava na outra, o suave encontro de suas fendas-mulheres engravidava as duas de prazer. E o que parecia pouco, muito se tornava. O que finito era, se eternizava. E um leve e fugaz beijo na face, sombra rasurada de uma asa amarela de borboleta, se tornava uma certeza, uma presença incrustada nos poros da pele e da memória." "Tantos foram os amores na vida de Luamanda, que sempre um chamava mais um. Aconteceu também a paixão