Pular para o conteúdo principal

Contra um mundo melhor, de Luiz Felipe Pondé — Parte 01

Luiz Felipe Pondé
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad


"Em nome de um emprego melhor, em nome de sentir menos medo diariamente, em nome de conseguir melhor qualidade de vida, aceitamos qualquer crime. Toda discussão sobre o massacre nazista (ou qualquer outro) esbarra no fato de que nós, hoje, gostamos de pensar que não faríamos a mesma coisa que aqueles homens e mulheres fizeram. Nossa maior preocupação é assegurar uma ideia construtiva de nós mesmos. O massacre nazista nasceu do horror que continuamos a alimentar com relação a tudo que afete nosso cotidiano imediato. Erraram todos os que se esqueceram de dizer isso. Além disso, nos sentimos mais tranquilos quando outros estão sendo destruídos em nosso lugar. Estamos sempre dispostos a nos calar quando um jantar a mais é garantido. O comportamento moral comum é mais decidido em nome de uma noite tranquila e um dia monótono do que em nome de qualquer ideia de justiça que algum dia alguém escreveu"


"Somos escravos da felicidade, mas é a infelicidade que nos torna humanos. Não sou dado a acessos de culpa, mas experimento cotidianamente o tormento de minha humanidade. Sou fraco, submetido ao desejo desorientado, leio e escrevo como forma de combater a solidão do mal que me habita"


"A luta contra os idiotas é uma batalha perdida. Falam demais. Acreditam que, apenas porque têm boca, podem emitir opiniões sobre tudo (...) Toda a 'ética' democrática é voltada para a banalização do conhecimento a serviço da autoestima dos idiotas. Não os ofenda porque eles venceram. Acreditam firmemente no que pensam enquanto veem novelas na TV. Deduzem argumentos sobre a vida a partir de suas experiências paroquiais"


"O homem evidentemente não é dono de si mesmo, é um barco que vaga à mercê de um oceano violento de instintos e pulsões que o consome para além de sua consciência"


"[Alexis de Tocqueville] percebeu a vocação irresistível da democracia (um regime pautado pelo gosto medíocre do homem comum) para o controle de todo hábito inútil. Por isso ele profetizou que a democracia, na sua paixão mesquinha pelo sucesso dos homens comuns, proibiria o tabaco e o álcool. Proibiremos tudo que algum idiota científico considerar inútil para o sucesso físico. Algo se perde nessa dança miserável. O que se perde é o fato de que a vida é desperdício de si mesma. Sua grandeza está em perdê-la (...) A tentativa de contê-la (...) não passa de um modo hipócrita de negar o princípio da vida – que é se multiplicar, se esvaindo, se perdendo, como que sangrando para gerar"


"Ando como quem anda num deserto, sem direção e sem discernimento porque a paisagem é toda igual, feita da mesma matéria efêmera e sem forma. Acho que esta é a condição pós-moderna por excelência (...) Uma consciência saturada de informação e conhecimento. Um exercício de uma consciência em ruínas. Além do mais, não penso que esta seja uma tragédia particular minha; penso que se trata de uma experiência histórica. Caminhamos por ruínas, e isso me deixa um pouco mais feliz porque nelas me sinto em casa"


"Muitas vezes me pergunto onde vai parar um mundo em que se repete à exaustão que todos têm algum talento. Mentira. Mas, afinal, o que é a vida senão se ocupar de coisas e, ao final, tornar-se mais uma coisa no chão de terra que nos cobrirá a todos?"



Trechos extraídos do livro de ensaios "Contra um mundo melhor" (Leya, 2013), de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Seleta: Gipsy Kings

A “ Seleta: Gipsy Kings ” destaca as 90 músicas que mais gosto do grupo cigano, presentes em 14 álbuns (os prediletos são “ Gipsy Kings ”, “ Este Mundo ”, “ Somos Gitanos ” e “ Love & Liberté ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 14 álbuns participantes desta Seleta 01) Un Amor [Gipsy Kings, 1987] 02) Tu Quieres Volver [Gipsy Kings, 1987] 03) Habla Me [Este Mundo, 1991] 04) Como un Silencio [Somos Gitanos, 2001] 05) A Mi Manera (Comme D'Habitude) [Gipsy Kings, 1987] 06) Amor d'Un Dia [Luna de Fuego, 1983] 07) Bem, Bem, Maria [Gipsy Kings, 1987] 08) Baila Me [Este Mundo, 1991] 09) La Dona [Live, 1992] 10) La Quiero [Love & Liberté, 1993] 11) Sin Ella [Este Mundo, 1991] 12) Ciento [Luna de Fuego, 1983] 13) Faena [Gipsy Kings, 1987] 14) Soledad [Roots, 2004] 15) Mi Corazon [Estrellas, 1995] 16) Inspiration [Gipsy Kings, 1987] 17) A Tu Vera [Estrellas, 1995] 18) Djobi Djoba [Gipsy Kings, 1987] 19) Bamboleo [Gipsy Kings, 1987] 20) Volare (Nel

Seleta: Ramones

A “ Seleta: Ramones ” destaca as 154 músicas (algumas dobradas em versões ao vivo) que mais gosto da banda nova-iorquina, presentes em 19 álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Ramones ”, “ Loco Live ”, “ Mondo Bizarro ”, “ Road to Ruin ” e “ Rocket to Russia ”). Ouça no Spotify aqui [não tem todas as músicas] Ouça no YouTube aqui Os 19 álbuns participantes desta Seleta 01) The KKK Took My Baby Away [Pleasant Dreams, 1981] 02) Needles and Pins [Road to Ruin, 1978] 03) Poison Heart [Mondo Bizarro, 1992] 04) Pet Sematary [Brain Drain, 1989] 05) Strength to Endure [Mondo Bizarro, 1992] 06) I Wanna be Sedated [Road to Ruin, 1978] 07) It's Gonna Be Alright [Mondo Bizarro, 1992] 08) I Believe in Miracles [Brain Drain, 1989] 09) Out of Time [Acid Eaters, 1993] 10) Questioningly [Road to Ruin, 1978] 11) Blitzkrieg Bop [Ramones, 1976] 12) Rockaway Beach [Rocket to Russia, 1977] 13) Judy is a Punk [Ramones, 1976] 14) Let's Dance [Ramones, 1976] 15) Surfin' Bi

Oito passagens de Conceição Evaristo no livro de contos Olhos d'água

Conceição Evaristo (Foto: Mariana Evaristo) "Tentando se equilibrar sobre a dor e o susto, Salinda contemplou-se no espelho. Sabia que ali encontraria a sua igual, bastava o gesto contemplativo de si mesma. E no lugar da sua face, viu a da outra. Do outro lado, como se verdade fosse, o nítido rosto da amiga surgiu para afirmar a força de um amor entre duas iguais. Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras e com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça. Ambas aves fêmeas, ousadas mergulhadoras na própria profundeza. E a cada vez que uma mergulhava na outra, o suave encontro de suas fendas-mulheres engravidava as duas de prazer. E o que parecia pouco, muito se tornava. O que finito era, se eternizava. E um leve e fugaz beijo na face, sombra rasurada de uma asa amarela de borboleta, se tornava uma certeza, uma presença incrustada nos poros da pele e da memória." "Tantos foram os amores na vida de Luamanda, que sempre um chamava mais um. Aconteceu também a paixão