O poema traz uma homenagem a uma foto de Raul Seixas, que profetizava o que iria cair e o que iria subir; Mirdad pegou as palavras e desenvolveu as relações e causas das quedas/subidas. Nos arranjos, destaque para o sintetizador de Tadeu Mascarenhas e um jeito peculiar de tocar guitarra, com a ‘marimba’ de Zanom e os ‘teclados’ de Fábio Vilas-Boas. Última canção do EP Unquiet, lançado em abril de 2014 (e está presente no álbum Orange Poem, disponibilizado nas plataformas digitais em 2021), traz a voz folk do cantor Rodrigo Pinheiro, que cantava na Besouros do Sertão (inusitada banda cover que juntava no mesmo show/repertório músicas de Raul Seixas e The Beatles) e um trecho mitológico (extraído de uma entrevista para a TV Gazeta em 1988, disponível no Youtube — veja aqui) em que o próprio maluco beleza sentencia: "há um inconformismo vigente, tangível e palpável, solto no ar".
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Homage
(Emmanuel Mirdad)
BR-N1I-14-00007
Stars fall for the dogs' coward barks
The night comes at noon for who floats in the sky
The social class falls when the price of dignity goes up
Ashes fall on heads of low classes
The reasons fall from the smoke of Marley's records
Teeth fall as they climb the amputations' tower
The salvation’s price goes down as caricatures of Jesus Christ spread out
Shuttlecocks fall from the high bonfire of vanities
Dogs rise to fame to knock down stars
The sky climbs through veins by the needles of who only knows the night
Prices go up when the level of competence is high
The level gets higher when the hair becomes gray
Records rise on Billboard devastating the musical wit
The tower grows while teeth devour trash on the corner
Jesus Christ went up and vanished; the price of God’s matrix
The bonfire grows, burning us, shuttlecocks of existence, homage…
CONTEXTO
Comecei tarde no rock, aos 16 anos, no primeiro semestre de 1997. Até então, só ouvia reggae (e Legião Urbana), mais precisamente, o meu mestre maior: Bob Marley & The Wailers. Mas foi graças à influência dos amigos Alan Freitas (meu vizinho de prédio) e Álvaro M. Valle (que veio a ser um dos baixistas do Orange Poem, anos depois) que me apresentaram Ramones e vários clássicos do rock. Fascinado pelo universo rocker, passei a comprar todo mês nas bancas a saudosa revista Showbizz, que se tornou a fonte principal de informação (nessa época pré-histórica, não tinha acesso a internet e nem computador em casa). Devorava matérias, biografias, discografias, além de absorver informações do roqueiro Álvaro e da turma mais legal do colégio (um ano mais nova que a minha), formada por ele, Alan e outras figuras como o grande amigo Mark Dayves, artista plástico do GIA, que se reunia na delicatessen Albani (ao lado do Colégio PhD) para fazer som ao violão e resenhar.
Passei a recortar várias fotos de artistas e bandas na Showbizz, escolhendo as melhores, de quem admirava ou que achava a foto apenas interessante, de impacto. Fazia isso para enfeitar a capa de meus cadernos, às vezes até mesmo o interior, como o eterno "caderno de versos", onde registrei diversos poemas e canções. Esse comportamento foi herdado de minha mãe, Martha Anísia, que fazia a mesma coisa com as suas partituras - procurava fotos de compositores e intérpretes, para colar nas suas respectivas músicas que ela "tirava" (transpunha). Então, uma foto do sarcástico carimbador maluco beleza (e conterrâneo) Raul Seixas me chamou muito a atenção.
ORIGEM
Não houve ninguém como Raul Seixas e muito difícil que exista outro. Tinha que ser da Bahia. Tinha que ser de Salvador, essa fábrica de loucos plurais. Pois a foto acima provocou um estrondo na minha cabeça de moleque recém-roqueiro. Não me lembro qual foi a edição da Showbizz que publicou a foto, nem de quando foi. Só sei que recortei a foto com gosto. A enigmática apresentava Raulzito vestido de mago, segurando uma tábua da salvação, onde tinha detalhado de cada lado o que "vai cair" e o que "vai subir". Do lado "Cair": estrela, noite, nível, cinza, juízo, dentes, preço e peteca. E do lado "Subir": cachorro, elevador, preço, nível, disco, torre, cristo, chama. Pensei: "Por que não criar algo em cima disso?". Guardei a foto.
Na época eu não conhecia a música "Dentadura Postiça", do álbum "Krig-ha, Bandolo!" (1973), primeiro solo da carreira do cantor e compositor baiano. Confesso que só conhecia e ouvia as suas mais famosas (só vim me aproximar mais de sua obra quando passei a produzir a Besouros do Sertão, banda do baterista laranja Hosano Lima Jr., do cantor de "Homage", Rodrigo Pinheiro, e dos amigos Enzo, Murilo e Ruivaldo - o melhor cantor de Raul que já ouvi na vida), senão saberia que o conteúdo da foto fazia parte da letra de "Dentadura Postiça" (das partes que caem e sobem, pois faltou a 3ª, a parte que "Vai sair"), que diz: "(Vai cair) A estrela do céu, a noite no mar, o nível do gás, a cinza no chão, juízo final, os dentes de Jó, o preço do caos, peteca no chão" e "(Vai subir) Cachorro urubu, o elevador, o preço do horror, o nível mental, o disco voador, a torre babel, o Cristo pro céu, a chama do mal". Ouça abaixo:
Quinta-feira, 19 de agosto de 1999. Resolvi criar um poema baseado na foto enigmática. Montei 4 estrofes com 4 versos cada, relacionando cada componente do "Vai Cair" com o correspondente do outro lado da tábua, do "Vai Subir". Por exemplo, se “estrela" (do lado "cair") estava na mesma linha de "cachorro" (do lado "subir"), as duas frases seriam relacionadas e o resultado foi esse, de acordo com minha livre interpretação: "Estrelas caem pelos uivos desafinados dos cachorros" e "Cachorros sobem à fama para derrubarem estrelas". As duas estrofes iniciais conteriam os "cair" e as duas seguintes os "subir". Completei as demais relações e assim nasceu o poema "Vai Cair, Vai Subir", em homenagem a Raul Seixas.
Tempos depois (não tenho a data certa, mas foi no 2º semestre de 1999), compus um inusitado xaxado rock, nordestinamente profético. Vasculhando o caderno de versos, percebi que a melodia tinha uma pegada Raulzito. Bingo! Mas encrenquei com o título óbvio de "Vai Cair, Vai Subir", modificando-o para o cruel "Catástrofe" e incorporando dois prefácios estranhos (e dispensáveis) à letra: "A terra se abrirá e o demônio será mais um desabrigado; embaixo da ponte rezará que Deus tenha piedade até do último filho da imaginação humana" e "O maluco beleza vestido de mago carregava uma tábua santa que dizia o que caía e o que subia. O maluco poeta vestido de humano traduziu a tábua santa nesta profana poesia". O primeiro foi um trecho isolado escrito a toa no caderno que, para não ir pro lixo, tentei aproveitar em algum poema mais arquivável e o segundo foi uma desnecessária explicação da origem do poema.
"Catástrofe" nem passou perto do repertório do Pássaros de Libra - duo com o guitarrista Juracy do Amor que no 2º semestre de 1999 entrou em estúdio para gravar o primeiro trabalho que produzi. Sequer chegou a ser cogitada como lado B ou segundo repertório. Devido aos versos proféticos e ao xaxado rock de sua melodia, a canção foi arquivada diretamente para um repertório chamado de "Parapsicopássaros" - como o projeto principal era de poprock, esse seria uma banda alternativa com pegada experimental que nunca passou de uma ideia e um nome no papel. Antes desse arquivamento ser um túmulo, no início do ano 2000 reformulei a melodia para xaxado + punkrock pop e fiz algumas alterações nos versos (retirando o prefácio óbvio), conforme o original abaixo:
RECICLAGEM
Domingo, 6 de maio de 2001. A banda The Orange Poem estava formada (no dia anterior tinha rolado o 4º ensaio) e ensaiando o primeiro repertório - que veio a ser gravado no CD "Shining Life, Confuse World" somente entre 2004 e 2005. Empolgado com os primeiros passos da laranja, resolvi analisar o projeto. Baseado num irreal cronograma que projetava que em breve a banda estaria trabalhando nas músicas do 2º repertório/CD, resolvi organizar o terceiro e último CD da tríade laranja (na época pretendia fazer o êxodo para Londres não apenas com um trabalho, e sim três! - PQP, sabia de nada, eu inocente!!!). Para começar o pré-projeto, precisava dos poemas.
Preguiçoso e sem inspiração (na verdade, apressado para ver logo o 3º repertório pronto), em vez de escrever, parti para a reciclagem. Nesse domingo, trabalhei em cima de três poemas, transformando-os em: "Sr. Zé" (derivada da nordestina "Antes Tocava Gonzaga"), "Sem Asas" (derivada da 'barãovermelha' "Sem Toda Amizade, Sem Asas", do Pássaros de Libra) e "Homenagem", a nova versão para "Catástrofe", em que retirei o prefácio que restava e modifiquei muitos versos, praticamente reescrevendo o poema. Nessa leva de montagem do 3º repertório, reciclei letras como "Nem Deuses, Nem Demônios" que derivou "Neither Gods, Nor Devils". Parou por aí.
Já em 2002, na quinta 28 de março, sem nada para fazer no feriadão da Semana Santa, fiquei em casa e resolvi terminar de analisar e reescrever os poemas do 3º repertório ("Nem Deuses, Nem Demônios" já tinha rolado na 1ª sessão de refeita na segunda 25). De novo, três músicas. De novo, depois de "Sr. Zé", mexi em "Homenagem", modificando um pouco os versos (ex.: "o céu sobe às veias pelas agulhas de quem só conhece a noite" no lugar de "o céu sobe aos olhos pelas veias de quem só tem a noite" e "a torre sobe enquanto dentes destroçam lixo na esquina" ao invés de "a torre sobe enquanto dentes destroçam famílias"), mas a letra estava sem crédito algum; achava os versos com pouca musicalidade para a psicodelia laranja, fortalecendo a impressão do ano passado de que ela acabaria sendo descartada e não aproveitada. Mesmo assim, era bom ter alguma letra sobrando para uma eventual composição em parceria para o 3º repertório com os guitarristas laranjas Fábio Vilas-Boas e Zanom.
PARCERIA NÃO ROLOU
Quatro de setembro de 2003, uma quinta-feira. Pela manhã, Zanom veio de Itapuã para tomar aula de sanfona com Dona Martha, minha mãe, no apartamento de meus pais na Pituba, onde moro desde 1992. No final da aula, veio me contar sobre a aventura de quinze dias no Rio de Janeiro, a maioria em Niterói, regado a muito chorinho em mesas de bar só com os monstros - o itapuãzeiro adorava o clima descontraído regado a muita música boa com grandes músicos desconhecidos que detonavam qualquer orgulho (efeito "eu não toco porra nenhuma").
Como o computador estava ligado, aproveitei para oferecer poemas meus para Zanom musicar. Nessa época, tinha separado vagas para composições em parceria com os músicos laranjas no repertório do 2º CD. Ele analisou "A Canção do Jovem Poeta" (que se tornou "Young Poet's Song" e posteriormente "8/8/88", oferecida para o baixista Artur Paranhos musicar, o que acabou não acontecendo), "Severino" e "O Que Aconteceu Assim de Tão Medonho?" e selecionou "Homenagem" (passando então do 3º para o 2º repertório TOP, de onde nunca mais saiu até ser gravada como "Homage" em 2006 no CD "Sleep in Snow Shape"), com a econômica justificativa de que "difere das outras" e nada mais. Devo tê-lo contado a história da foto e a homenagem a Raulzito e talvez isso tenha influenciado a escolha - não me lembro. No início de dezembro de 2003, "Homenagem" foi traduzida para "Homage".
O 50º ensaio da Orange Poem foi uma festa inesquecível, um ensaio comemorativo com a presença de amigos como Rajasí Vasconcelos e Gabriel Franco, onde todo mundo tocou tudo, de timbau a reco-reco, trocando de instrumentos a cada música, e o repertório foi todo tronchado, com versões em reggae e vários cantores. Isso foi num sábado à tarde, 17 de janeiro de 2004. Marcado para chegar no meu apê às 10h, Zanom, o discípulo de Caymmi, só chegou meio-dia. Imediatamente se apossou do acordeon e ficou a tocar arranjos seus de clássicos de forró e novos arranjos das canções laranjas.
Tudo isso enquanto teoricamente analisava o primeiro ensaio fotográfico do poema (feito por Mark Dayves no Convento dos Órfãos de São Joaquim em Salvador) e insistia em afirmar que estava largando a guitarra pelo instrumento de fole - eu morria de medo ao ouvir isso, já que a perda de seu talento excepcional na guitarra seria terrível para a banda. Antes de partirmos pro ensaio, imprimi e entreguei para Zanom o poema "Homenagem" (quatro meses depois do primeiro acerto), agora em inglês como "Homage". Recomendei-lhe: "Quero uma música longa, cerca de 10 minutos, com muitas variações". Pedia algo como "Dogs" ou "Echoes", da banda que amávamos, Pink Floyd.
O guitarrista sanfoneiro, ao ouvir o pedido por uma melodia grande e bem trabalhada, guardou a letra com entusiasmo (engraçado que rock progressivo nada tinha a ver com o homenageado da canção - Raulzito era rock'n'roll puro, direto, sem frescura). Eu tinha a ingênua esperança de que o laranja de libra (ambos somos filhos de outubro de 1980) compusesse um clássico progressivo psicodélico. Mas 2004 passou, fizemos a temporada de shows no Tangolomango Bar e começamos a gravar nosso primeiro CD e nada de Zanom compor. E 2005 chegou e passou também, finalizamos o álbum, lançamos no World Bar (e nova temporada de shows, o Laranjada Rock) e nada da composição ser criada ou o assunto "parceria" voltar a tona.
COMPUS HOMAGE
O sábado 29 de outubro de 2005 foi dedicado a estruturar a proposta e repertório do Sad Child, o meu projeto paralelo ao TOP. Separei as músicas em dois CDs, batizados de "A Kiss for All Frogs" e "Innocent Child in a Dangerous Quest" (nomes antigos, sobras do Orange Poem). Revisei música por música, para escolher a melhor ordem. No intervalo das tocadas, fiquei brincando com dois acordes no meu violão 12 cordas (na verdade, dedilhando em forma de vibração as primeiras cordas). Gostei do trechinho bobo e batizei-o de "Vibrato", escalado imediatamente para abrir o então 1º CD do Sad Child. Engraçado que nesse mesmo sábado, o 2º CD TOP, "Sleep in Snow Shape", foi repensado e eu ainda contava com as vagas para as parcerias em "Homage" com Zanom e "Young Poet's Song" (antiga "8/8/88") com Artur Paranhos.
Quarta-feira, 23 de novembro de 2005. À noite, enquanto ensaiava a recém-composta "Young Poet’s Song" (cansei de esperar por Artur e a compus no dia 22/11) para adaptá-la melhor e se afeiçoar à letra e melodia, senti o mesmo formigamento do dia anterior, algo que pedia pra acontecer, algo que estava em paralelo e que queria surgir, brotar. E como fosse apenas uma brincadeira, puxei o trechinho melódico "Vibrato", emendando uma cantiga de improviso, quase recitada, em cima do poema "Homage", que esperava há anos pela melodia de Zanom.
O resultado agradou. Continuei a criar e compus uma harmonia bem pop-balada grudenta para a última estrofe. A melodia veio no embalo e assim surgiu uma nova composição. Antes de registrar no gravador AIWA de fita K7, repeti a canção várias vezes, tentando apreender uma melhor colocação das palavras. Enfim, em dois dias, duas composições novas, que me agradaram muito, mandando para o espaço as tais sonhadas parcerias com Artur e Zanom. Fazer o quê?
Engraçado que tanto o pedido de uma composição progressiva longa para Zanom quanto a melodia pop criada por mim divergiam completamente da proposta sonora do roqueiro Raul Seixas. Depois do fascínio por finalmente existir "Homage" enquanto música laranja, percebi o contraste bizarro entre o homenageado e o som "xurumela" da canção pop. Fiquei preocupado e quis até descartar a melodia/harmonia. Mas aí pensei: tem artista mais provocador que o Raulzito? É isso! Pois bem, a homenagem do poema laranja vai ser uma pirraça: a música não tem a ver porra nenhuma, mas a letra sim. E ninguém vai saber disso se eu não contar a história. Quando "Homage" tocar, alguém (também) vai reclamar: "Como assim essa baladinha é uma homenagem a Raul?". Sabe de nada, inocente.
CONSTRUÇÃO
"Homage" já estava prometida para o 2º CD desde 2003, mas isso só foi cristalizado em novembro de 2005, cinco dias depois de ter a melodia finalmente composta, no posto de 6ª faixa. 2006 chegou e logo no sexto dia do ano redentor (era assim que o chamava no Diário TOP, o ano limite para o êxodo a Londres que não aconteceu), refiz a ordem do "Sleep in Snow Shape" e coloquei a canção no posto de faixa 02, de onde ela não saiu mais. Repeti o mesmo erro que cometi no 1º CD, quando coloquei a fraca "A Song to You, My Home" no segundo lugar por ela ser pop - pensando como radialista, quis colocar logo a suposta "hit" no começo do álbum, pra supostamente ganhar o ouvinte.
Ledo engano. "Homage" nunca teve sustância para ser segunda faixa, ainda mais vindo antes que "Melissa", a melhor música TOP. Que equívoco! "Homage" é uma música de meio pro final de disco, pra compor a obra, sem força pra ser single e funcionando como contexto artístico para a obra. Mas por sua pegada pop, era considerada como "hit" por mim.
Dois mil e seis seria o ano do atropelo. Na ânsia de produzir logo o 2º CD TOP, antes do tumultuado 2º semestre (que seria dedicado à formatura na Facom/Ufba), agendei a gravação para abril. E o primeiro músico laranja a conhecer "Homage", a faixa dois desse álbum, foi o baterista Hosano Lima Jr., faltando praticamente um mês para a primeira sessão. Doideira pura! O 1º CD do TOP levou de 2001 a 2004 para ser gestado, e o 2º seria pré-produzido em um mês. Ê vida oito e oitenta arretada! No primeiro ensaio só com o batera (20/03), no cafofo do seu apê na Graça (como nos tempos primordiais da laranja em 2000 e 2001), Hosano sugeriu um coro de vozes na música. Na semana seguinte, "Homage" ficou redonda 100%, por ser quadradinha, sem variações, reta.
A banda completa trabalhou na canção pela primeira vez no 94º ensaio, na terça 4 de abril. Em duas execuções, a música ganhou o apreço do guitarrista Fábio e do baterista Hosano. Quem encrencou mesmo foi Zanom, ironicamente o responsável por musicar "Homage" e não o fez. Mesmo criando um lindo arranjo "caixinha de música", taxou a canção de muito pop, assim como a comprida balada "Another Lost Skin", reclamando de um possível caráter "pop" demais no 2º CD. Eu rebati: "esse novo álbum vibra assim porque está seguindo uma linha definida e não tem o caráter 'crioulo doido' do primeiro. E o que não é pop? Pra mim, 'Dark Side of the Moon' é o mais pop de todos". Hosano me endossou e o itapuãzeiro preferiu ficar na sua.
GRAVAÇÃO
Antes de entrar em estúdio, projetei catorze participações especiais para o "Sleep in Snow Shape". De amigos músicos como Rogério Alvarenga (da Soma), Taciano Vasconcellos (depois formaria O Círculo), Juracy do Amor (parceiro no Pássaros de Libra em 2000) e o cantor Rodrigo Pinheiro (que acabou gravando "Homage" em 2014 - mas foi projetado nessa época para fazer vocais em "Cuts"), passando por referências como o professor Monclar e o "chefe" Mário Sartorello, até cantoras como as amigas Carla Visi e Eva Cavalcante (que chegou a gravar um backing na hoje descartada "New Help", do 1º CD).
Engraçado que, por vários motivos, quase todos os convites projetados nessa época não se concretizaram (cheguei até a ensaiar com Eva no final de abril, treinando um arranjo meu para o tal coro sugerido por Hosano em "Homage"), e os únicos amigos que gravaram foram Rajasí Vasconcelos e Gabriel Franco em "To The Sky" (de Raja) e Fabrício Mota (baixista que substituiu brevemente Artur no 2º semestre de 2005) no pandeiro (hoje descartado) de "Shining" e "Madness".
Hosano gravou "Homage" na 1ª sessão do álbum, quarta 26 de abril, num momento de final de gravina, para adiantar e matar logo, já que era a mais fácil de tocar do álbum - e eu não consegui gravar o violão guia na parte do "Vibrato" (Tadeu teve de fazer, porque eu fiquei perdendo o andamento). Uma semana depois, na 3ª sessão, Artur Paranhos estava num dia ruim e não conseguiu gravar a primeira música pedida por ele: "Homage" - muitos erros; sem expressão, sem pegada, muitos remendos. Várias regravações. O baixista definiu: "estou todo travado". Acabou gravando na quinta 11 de maio (efeméride de 25 anos da morte do rei Bob Marley), quando veio com sangue no olho e finalizou as músicas que faltavam.
Na terça 9 de maio, rolou um ensaio "power trio" entre eu, Hosano e Zanom. Artur preferiu ficar em casa estudando a sós com o metrônomo e Fábio simplesmente furou (nosso Romário não gostava de ensaiar). Em "Homage", confirmamos a excelente "caixinha de música", mais um eficiente arranjo do itapuãzeiro que se fundia à composição como se fosse parte dela, indissociável. E a criação mais controversa do ensaio foi um riff terrivelmente grudento para a última parte (o que viria a substituir o coro, mencionado acima). De tão pop, foi motivo de intensa chacota entre os laranjas de libra. A presença de Hosano foi fundamental para que aceitássemos o tal riff: "rapaz, a música é pop, é single, comercial, tem que ter isso aí mesmo, pra poder estourar". Topamos.
[Relembrei da comédia que foi "Homage" no ensaio seguinte, o 99º em 23 de maio com a banda completa, numa versão embromada, com um final bizarro em português e várias risadas no começo, com Zanom imitando crianças psicóticas que, segundo ele, deveriam estar falando por trás da música, algo do tipo "eu vou enfiar a faca nele" - não rolou]
"Homage" não foi quebra-galho de fim de sessão para Hosano (por ser menor e mais fácil que as outras, era pedida pra aliviar as tensões ou começar logo pela mais tranquila)? Serviu desse jeito também para Zanom, que gravou seu arranjo "caixinha de música" de primeira, sem nenhum erro, contrariando minhas previsões malignas, também na mesma quinta que Artur finalizou sua parte com excelência. O engenheiro de som Tadeu Mascarenhas iluminou o ambiente ao colocar um delay maravilhoso no arranjo, fazendo surgir uma "marimba psicodélica", algo que deixou a canção muito mais bonita. Zanom concluiu gravando a base distorcida e o riff grudento no esquema grava tudo, depois remenda (comum demais no processo do 2º CD, que foi um álbum compreendido e arranjado durante seu processo de gravação). Depois da parada do meio do ano, chegamos a cogitar um solo ou um slide dobrando o riff, mas preferimos deixá-lo sem dobra associado apenas ao meu vocalize e fade out.
Na 10ª sessão de gravação, uma sexta, 26 de maio, o guitarrista Fábio Vilas-Boas estreou no 2º CD TOP. Pouco mais de duas da tarde, após uma prosa de reencontro com Tadeu Mascarenhas e as arrumações iniciais, o pastor pediu "Homage" pra começar - na verdade, não sabia o nome da canção; quando se referia a ela, falava: "aquela da caixinha de música". Com sua celebrada guitarra Crafter, o módulo RP-1 no seu melhor efeito e duas caixas ligadas pra dar 'quilos' de delay à face "Floyd" do poema laranja, Fábio teve muita tranquilidade em gravar o seu "teclado".
Gravei o violão na quarta 17 de maio. Foi uma sessão muito ruim pra mim: em 4h, só consegui gravar três músicas. 12h42, a fome em alta, era a hora de guardar o instrumento, pagar e ir embora. Mas como sempre fui queixão, muni-me com uma justificativa de que a afinação do violão 12 cordas consumiu quase uma hora e pedi pra gravar "Homage". Como era a menor e a mais fácil, Tadeu, mesmo com fome e cansado, concordou. Pra economizar tempo, fez um loop no final da música com o melhor trecho tocado. E, diferente do que foi na gravação das guias, consegui gravar de primeira o arranjo ("Vibrato") que pariu a canção.
A voz gravei no terceiro dia de julho - estava um pouco mais recuperado da constante alergia que vinha me detonando nas sessões. Mais confiante, cheio de vontade, com o amor da época mandando mensagem positiva pro recém-chegado celular (em 2006, meu primeiro!), o astral estava ótimo. Gravei "Homage" no mesmo esquema rotineiro grava tudo e depois conserta - consegui boas minúcias no vocal, principalmente os falsetes finais do coro, meu arranjo, que seria gravado por Eva C. e backings vocais e não foi (o arranjo foi preservado na versão final da canção em 2014 porque Rodrigo não conseguiu fazer - faltou ensaio e tempo).
"Homage" foi finalizada na segunda e terça, 21 e 22 de agosto. Na manhã de primeira mix, Tadeu Mascarenhas estava meio doente, tinha passado a noite inteira com febre alta. Disse que se o mal-estar atrapalhasse, pararia a sessão. A primeira música? Adivinhe. Enquanto Tadeu trabalhava, fiquei lendo o primeiro livro indicado pro meu TCC. Acertos na "marimba" (a.k.a. "caixinha de música"), acertos nas notas do final e a 1ª mix de "Homage" foi concluída às 12h25. Em casa, ouvi-a atentamente e detectei erros pra serem consertados. No dia seguinte, de muita chuva, levei pro estúdio meu som portátil, pra ter um melhor parâmetro da mix. Mostrei os erros que encontrei, Tadeu aproveitou pra ouvir o 1º CD TOP e fazer um comparativo entre os sons dos álbuns (a sua qualificação foi que o novo tinha um som mais aberto, mais limpo - concordei). "Homage" foi consertada e finalizada. "Sleep in Snow Shape" ficou pronto em outubro e foi direto pra gaveta, com o final da banda no terceiro mês de 2007.
EM PORTUGUÊS
Primeira quarta do mês de agosto de 2006, na condição de homem mais feliz do mundo (tinha acabado de completar 9 meses de um namoro, época de muito amor), eu estava em ebulição. Finalmente decidi que iria pôr pra frente o projeto de nacionalização do Orange Poem porque não queria mais fazer o êxodo para Londres - simplesmente pra não ficar longe da amada, ó que bobo e ingênuo. Tinha pensado em alguns nomes para a nova banda, como Laranja Poema, Poema Laranja, Cosmorama (já existia uma banda com esse nome), Cosmolaranja e Signopoesia, entre outros. Com o violão Alhambra em mãos e caneta em punho, revisei as letras das canções do 2º CD TOP. Transformei "Homage" em "Petecas", mas com um problema na última frase, o clímax da canção. Tempos depois, o resultado não me empolgou muito e eu decidi finalizar o álbum em inglês mesmo.
Em 2007, ano novo, banda nova. No clima de montar o repertório da Pedradura, no dia 21 de abril de 2007, compus a música "Petecas". Na verdade, um rearranjo: a letra vinha de "Homage" e a melodia de "Cuts", com novas partes e harmonias, um novo final e um novo ritmo, na casa do samba rock experimental com trechos em valsa. Entrou no repertório do CD, foi ensaiada algumas vezes, mas como não tivemos tempo suficiente para aprontá-la (o 1º ensaio da banda foi em 25/07 e a 1ª sessão gravação em 09/09), acabou não sendo gravada no Universo Telecoteco, primeiro e único álbum da Pedradura, que acabou logo depois, por causa da ida do baterista Edu Marques para a França.
VERSÃO FINAL
Depois de uma pausa de sete anos, retomei a banda The Orange Poem com a inusitada proposta de regravar os dois álbuns com novos vocalistas. Em janeiro, lancei o EP Ground (2014) com o luxo de ter a voz implacável e de facão do grande cantor e compositor Glauber Guimarães. Fomos parceiros de banda no projeto Sad Child (que só fez ensaios e chegou a ter um EP demo ao vivo gravado), que só foi pra frente quando o amigo cantor e guitarrista Rodrigo Pinheiro (atual Mulher Barbada) topou fazer comigo. Nada mais justo que o próximo EP da Orange, o Unquiet, pudesse ter sua voz. E a felicidade foi tremenda quando ele topou e regravou a voz das músicas do EP no mesmo dia, na sexta 28 de março de 2014.
O mais impressionante foi que Rodrigo, conhecido como John, gravou "Homage" no final da sessão, já na morte mesmo (depois de ter feito um extenuante trabalho em "The Unquietness" e ter mandado rápido em "Neither Gods, Nor Devils"), sem ter treinado suficiente; ele, como cantor cover, não quis arriscar uma nova interpretação e dublou na íntegra a minha voz original. Coerente! Semanas antes da sessão de gravação, na preleção das músicas, ele acabou se decidindo por "Homage" ao saber que a letra homenageava Raul Seixas, um dos mestres homenageados por sua clássica banda Besouros do Sertão (engraçado que nela Rodrigo cantava a face Beatles).
Com a retomada do Orange Poem, intimei Tadeu Mascarenhas a entrar definitivamente na banda, que tirou de tempo, dizendo um talvez sim. Continuei com a estratégia de inseri-lo enquanto músico no som laranja, e assim como foi em "Rain" e "Farewell Song" do EP Ground, ele foi gravar as suas teclas e arranjos nas músicas do EP Unquiet. Na segunda 07 de abril de 2014, depois de 6h de estrada vindo de Ilhéus, chego à tarde ao Casa das Máquinas para 1ª sessão de gravação de Tadeu. Não é que o encontro vestido com uma camisa de Raul Seixas? Haja sincronia, meu amigo! Qual foi a primeira música pedida? Adivinhe. "Homage" foi finalizada em 14 de abril e o EP Unquiet lançado no dia 22 de abril de 2014, finalizando o percurso de quase 15 anos da minha composição - iniciado em 19 de agosto de 1999 (e já teve os nomes de "Vai Cair, Vai Subir", "Catástrofe", "Homenagem" e "Petecas").
Abaixo, o vídeo "A mentira do sistema", disponível no Youtube, contendo um trecho da entrevista de Raul Seixas para a TV Gazeta em 1988, de onde, por sugestão de Tadeu Mascarenhas, retiramos o trecho da fala do maluco beleza que está inserido na versão final da canção em sua homenagem: "Há um inconformismo vigente, tangível e palpável, solto no ar".
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(Emmanuel Mirdad)
BR-N1I-14-00007
Stars fall for the dogs' coward barks
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Jesus Christ went up and vanished; the price of God’s matrix
The bonfire grows, burning us, shuttlecocks of existence, homage…
Faixa 03 - EP Unquiet (2014) | Faixa 16 - Orange Poem (2021) | Composta e produzida por Emmanuel Mirdad | Rodrigo Pinheiro - voz | Mirdad - violão 12 cordas | Zanom - guitarra | Fábio Vilas-Bôas - guitarra | Hosano Lima Jr. - bateria | Artur Paranhos - baixo | Tadeu Mascarenhas - sintetizador | Gravado, mixado e masterizado por Tadeu Mascarenhas no Casa das Máquinas, Salvador-BA | Encarte EP Unquiet: Glauber Guimarães | Capa 2021: Meriç Dağlı (foto) e Emmanuel Mirdad (design) | Contém um trecho de voz de Raul Seixas, extraído do Youtube
CONTEXTO
Comecei tarde no rock, aos 16 anos, no primeiro semestre de 1997. Até então, só ouvia reggae (e Legião Urbana), mais precisamente, o meu mestre maior: Bob Marley & The Wailers. Mas foi graças à influência dos amigos Alan Freitas (meu vizinho de prédio) e Álvaro M. Valle (que veio a ser um dos baixistas do Orange Poem, anos depois) que me apresentaram Ramones e vários clássicos do rock. Fascinado pelo universo rocker, passei a comprar todo mês nas bancas a saudosa revista Showbizz, que se tornou a fonte principal de informação (nessa época pré-histórica, não tinha acesso a internet e nem computador em casa). Devorava matérias, biografias, discografias, além de absorver informações do roqueiro Álvaro e da turma mais legal do colégio (um ano mais nova que a minha), formada por ele, Alan e outras figuras como o grande amigo Mark Dayves, artista plástico do GIA, que se reunia na delicatessen Albani (ao lado do Colégio PhD) para fazer som ao violão e resenhar.
Passei a recortar várias fotos de artistas e bandas na Showbizz, escolhendo as melhores, de quem admirava ou que achava a foto apenas interessante, de impacto. Fazia isso para enfeitar a capa de meus cadernos, às vezes até mesmo o interior, como o eterno "caderno de versos", onde registrei diversos poemas e canções. Esse comportamento foi herdado de minha mãe, Martha Anísia, que fazia a mesma coisa com as suas partituras - procurava fotos de compositores e intérpretes, para colar nas suas respectivas músicas que ela "tirava" (transpunha). Então, uma foto do sarcástico carimbador maluco beleza (e conterrâneo) Raul Seixas me chamou muito a atenção.
Raul Seixas - Foto: Abril Imagens
ORIGEM
Não houve ninguém como Raul Seixas e muito difícil que exista outro. Tinha que ser da Bahia. Tinha que ser de Salvador, essa fábrica de loucos plurais. Pois a foto acima provocou um estrondo na minha cabeça de moleque recém-roqueiro. Não me lembro qual foi a edição da Showbizz que publicou a foto, nem de quando foi. Só sei que recortei a foto com gosto. A enigmática apresentava Raulzito vestido de mago, segurando uma tábua da salvação, onde tinha detalhado de cada lado o que "vai cair" e o que "vai subir". Do lado "Cair": estrela, noite, nível, cinza, juízo, dentes, preço e peteca. E do lado "Subir": cachorro, elevador, preço, nível, disco, torre, cristo, chama. Pensei: "Por que não criar algo em cima disso?". Guardei a foto.
Na época eu não conhecia a música "Dentadura Postiça", do álbum "Krig-ha, Bandolo!" (1973), primeiro solo da carreira do cantor e compositor baiano. Confesso que só conhecia e ouvia as suas mais famosas (só vim me aproximar mais de sua obra quando passei a produzir a Besouros do Sertão, banda do baterista laranja Hosano Lima Jr., do cantor de "Homage", Rodrigo Pinheiro, e dos amigos Enzo, Murilo e Ruivaldo - o melhor cantor de Raul que já ouvi na vida), senão saberia que o conteúdo da foto fazia parte da letra de "Dentadura Postiça" (das partes que caem e sobem, pois faltou a 3ª, a parte que "Vai sair"), que diz: "(Vai cair) A estrela do céu, a noite no mar, o nível do gás, a cinza no chão, juízo final, os dentes de Jó, o preço do caos, peteca no chão" e "(Vai subir) Cachorro urubu, o elevador, o preço do horror, o nível mental, o disco voador, a torre babel, o Cristo pro céu, a chama do mal". Ouça abaixo:
Quinta-feira, 19 de agosto de 1999. Resolvi criar um poema baseado na foto enigmática. Montei 4 estrofes com 4 versos cada, relacionando cada componente do "Vai Cair" com o correspondente do outro lado da tábua, do "Vai Subir". Por exemplo, se “estrela" (do lado "cair") estava na mesma linha de "cachorro" (do lado "subir"), as duas frases seriam relacionadas e o resultado foi esse, de acordo com minha livre interpretação: "Estrelas caem pelos uivos desafinados dos cachorros" e "Cachorros sobem à fama para derrubarem estrelas". As duas estrofes iniciais conteriam os "cair" e as duas seguintes os "subir". Completei as demais relações e assim nasceu o poema "Vai Cair, Vai Subir", em homenagem a Raul Seixas.
Tempos depois (não tenho a data certa, mas foi no 2º semestre de 1999), compus um inusitado xaxado rock, nordestinamente profético. Vasculhando o caderno de versos, percebi que a melodia tinha uma pegada Raulzito. Bingo! Mas encrenquei com o título óbvio de "Vai Cair, Vai Subir", modificando-o para o cruel "Catástrofe" e incorporando dois prefácios estranhos (e dispensáveis) à letra: "A terra se abrirá e o demônio será mais um desabrigado; embaixo da ponte rezará que Deus tenha piedade até do último filho da imaginação humana" e "O maluco beleza vestido de mago carregava uma tábua santa que dizia o que caía e o que subia. O maluco poeta vestido de humano traduziu a tábua santa nesta profana poesia". O primeiro foi um trecho isolado escrito a toa no caderno que, para não ir pro lixo, tentei aproveitar em algum poema mais arquivável e o segundo foi uma desnecessária explicação da origem do poema.
"Catástrofe" no caderno de versos "El Captura"
"Catástrofe" nem passou perto do repertório do Pássaros de Libra - duo com o guitarrista Juracy do Amor que no 2º semestre de 1999 entrou em estúdio para gravar o primeiro trabalho que produzi. Sequer chegou a ser cogitada como lado B ou segundo repertório. Devido aos versos proféticos e ao xaxado rock de sua melodia, a canção foi arquivada diretamente para um repertório chamado de "Parapsicopássaros" - como o projeto principal era de poprock, esse seria uma banda alternativa com pegada experimental que nunca passou de uma ideia e um nome no papel. Antes desse arquivamento ser um túmulo, no início do ano 2000 reformulei a melodia para xaxado + punkrock pop e fiz algumas alterações nos versos (retirando o prefácio óbvio), conforme o original abaixo:
Letra digitalizada da versão "Catástrofe" em 2000, já com a correção do título para "Homenagem"
RECICLAGEM
Domingo, 6 de maio de 2001. A banda The Orange Poem estava formada (no dia anterior tinha rolado o 4º ensaio) e ensaiando o primeiro repertório - que veio a ser gravado no CD "Shining Life, Confuse World" somente entre 2004 e 2005. Empolgado com os primeiros passos da laranja, resolvi analisar o projeto. Baseado num irreal cronograma que projetava que em breve a banda estaria trabalhando nas músicas do 2º repertório/CD, resolvi organizar o terceiro e último CD da tríade laranja (na época pretendia fazer o êxodo para Londres não apenas com um trabalho, e sim três! - PQP, sabia de nada, eu inocente!!!). Para começar o pré-projeto, precisava dos poemas.
Preguiçoso e sem inspiração (na verdade, apressado para ver logo o 3º repertório pronto), em vez de escrever, parti para a reciclagem. Nesse domingo, trabalhei em cima de três poemas, transformando-os em: "Sr. Zé" (derivada da nordestina "Antes Tocava Gonzaga"), "Sem Asas" (derivada da 'barãovermelha' "Sem Toda Amizade, Sem Asas", do Pássaros de Libra) e "Homenagem", a nova versão para "Catástrofe", em que retirei o prefácio que restava e modifiquei muitos versos, praticamente reescrevendo o poema. Nessa leva de montagem do 3º repertório, reciclei letras como "Nem Deuses, Nem Demônios" que derivou "Neither Gods, Nor Devils". Parou por aí.
Já em 2002, na quinta 28 de março, sem nada para fazer no feriadão da Semana Santa, fiquei em casa e resolvi terminar de analisar e reescrever os poemas do 3º repertório ("Nem Deuses, Nem Demônios" já tinha rolado na 1ª sessão de refeita na segunda 25). De novo, três músicas. De novo, depois de "Sr. Zé", mexi em "Homenagem", modificando um pouco os versos (ex.: "o céu sobe às veias pelas agulhas de quem só conhece a noite" no lugar de "o céu sobe aos olhos pelas veias de quem só tem a noite" e "a torre sobe enquanto dentes destroçam lixo na esquina" ao invés de "a torre sobe enquanto dentes destroçam famílias"), mas a letra estava sem crédito algum; achava os versos com pouca musicalidade para a psicodelia laranja, fortalecendo a impressão do ano passado de que ela acabaria sendo descartada e não aproveitada. Mesmo assim, era bom ter alguma letra sobrando para uma eventual composição em parceria para o 3º repertório com os guitarristas laranjas Fábio Vilas-Boas e Zanom.
Letra digitalizada de "Homenagem", versão de 2001
PARCERIA NÃO ROLOU
Quatro de setembro de 2003, uma quinta-feira. Pela manhã, Zanom veio de Itapuã para tomar aula de sanfona com Dona Martha, minha mãe, no apartamento de meus pais na Pituba, onde moro desde 1992. No final da aula, veio me contar sobre a aventura de quinze dias no Rio de Janeiro, a maioria em Niterói, regado a muito chorinho em mesas de bar só com os monstros - o itapuãzeiro adorava o clima descontraído regado a muita música boa com grandes músicos desconhecidos que detonavam qualquer orgulho (efeito "eu não toco porra nenhuma").
Como o computador estava ligado, aproveitei para oferecer poemas meus para Zanom musicar. Nessa época, tinha separado vagas para composições em parceria com os músicos laranjas no repertório do 2º CD. Ele analisou "A Canção do Jovem Poeta" (que se tornou "Young Poet's Song" e posteriormente "8/8/88", oferecida para o baixista Artur Paranhos musicar, o que acabou não acontecendo), "Severino" e "O Que Aconteceu Assim de Tão Medonho?" e selecionou "Homenagem" (passando então do 3º para o 2º repertório TOP, de onde nunca mais saiu até ser gravada como "Homage" em 2006 no CD "Sleep in Snow Shape"), com a econômica justificativa de que "difere das outras" e nada mais. Devo tê-lo contado a história da foto e a homenagem a Raulzito e talvez isso tenha influenciado a escolha - não me lembro. No início de dezembro de 2003, "Homenagem" foi traduzida para "Homage".
The Orange Poem e convidados na festa do 50º Ensaio TOP em 17/01/2004
O 50º ensaio da Orange Poem foi uma festa inesquecível, um ensaio comemorativo com a presença de amigos como Rajasí Vasconcelos e Gabriel Franco, onde todo mundo tocou tudo, de timbau a reco-reco, trocando de instrumentos a cada música, e o repertório foi todo tronchado, com versões em reggae e vários cantores. Isso foi num sábado à tarde, 17 de janeiro de 2004. Marcado para chegar no meu apê às 10h, Zanom, o discípulo de Caymmi, só chegou meio-dia. Imediatamente se apossou do acordeon e ficou a tocar arranjos seus de clássicos de forró e novos arranjos das canções laranjas.
Tudo isso enquanto teoricamente analisava o primeiro ensaio fotográfico do poema (feito por Mark Dayves no Convento dos Órfãos de São Joaquim em Salvador) e insistia em afirmar que estava largando a guitarra pelo instrumento de fole - eu morria de medo ao ouvir isso, já que a perda de seu talento excepcional na guitarra seria terrível para a banda. Antes de partirmos pro ensaio, imprimi e entreguei para Zanom o poema "Homenagem" (quatro meses depois do primeiro acerto), agora em inglês como "Homage". Recomendei-lhe: "Quero uma música longa, cerca de 10 minutos, com muitas variações". Pedia algo como "Dogs" ou "Echoes", da banda que amávamos, Pink Floyd.
O guitarrista sanfoneiro, ao ouvir o pedido por uma melodia grande e bem trabalhada, guardou a letra com entusiasmo (engraçado que rock progressivo nada tinha a ver com o homenageado da canção - Raulzito era rock'n'roll puro, direto, sem frescura). Eu tinha a ingênua esperança de que o laranja de libra (ambos somos filhos de outubro de 1980) compusesse um clássico progressivo psicodélico. Mas 2004 passou, fizemos a temporada de shows no Tangolomango Bar e começamos a gravar nosso primeiro CD e nada de Zanom compor. E 2005 chegou e passou também, finalizamos o álbum, lançamos no World Bar (e nova temporada de shows, o Laranjada Rock) e nada da composição ser criada ou o assunto "parceria" voltar a tona.
Trecho inicial da partitura de "Homage", de Emmanuel Mirdad, transcrita de punho por sua mãe Martha Anísia, registrada na Biblioteca Nacional no caderno "Sleep in Snow Shape"
COMPUS HOMAGE
O sábado 29 de outubro de 2005 foi dedicado a estruturar a proposta e repertório do Sad Child, o meu projeto paralelo ao TOP. Separei as músicas em dois CDs, batizados de "A Kiss for All Frogs" e "Innocent Child in a Dangerous Quest" (nomes antigos, sobras do Orange Poem). Revisei música por música, para escolher a melhor ordem. No intervalo das tocadas, fiquei brincando com dois acordes no meu violão 12 cordas (na verdade, dedilhando em forma de vibração as primeiras cordas). Gostei do trechinho bobo e batizei-o de "Vibrato", escalado imediatamente para abrir o então 1º CD do Sad Child. Engraçado que nesse mesmo sábado, o 2º CD TOP, "Sleep in Snow Shape", foi repensado e eu ainda contava com as vagas para as parcerias em "Homage" com Zanom e "Young Poet's Song" (antiga "8/8/88") com Artur Paranhos.
Quarta-feira, 23 de novembro de 2005. À noite, enquanto ensaiava a recém-composta "Young Poet’s Song" (cansei de esperar por Artur e a compus no dia 22/11) para adaptá-la melhor e se afeiçoar à letra e melodia, senti o mesmo formigamento do dia anterior, algo que pedia pra acontecer, algo que estava em paralelo e que queria surgir, brotar. E como fosse apenas uma brincadeira, puxei o trechinho melódico "Vibrato", emendando uma cantiga de improviso, quase recitada, em cima do poema "Homage", que esperava há anos pela melodia de Zanom.
O resultado agradou. Continuei a criar e compus uma harmonia bem pop-balada grudenta para a última estrofe. A melodia veio no embalo e assim surgiu uma nova composição. Antes de registrar no gravador AIWA de fita K7, repeti a canção várias vezes, tentando apreender uma melhor colocação das palavras. Enfim, em dois dias, duas composições novas, que me agradaram muito, mandando para o espaço as tais sonhadas parcerias com Artur e Zanom. Fazer o quê?
Engraçado que tanto o pedido de uma composição progressiva longa para Zanom quanto a melodia pop criada por mim divergiam completamente da proposta sonora do roqueiro Raul Seixas. Depois do fascínio por finalmente existir "Homage" enquanto música laranja, percebi o contraste bizarro entre o homenageado e o som "xurumela" da canção pop. Fiquei preocupado e quis até descartar a melodia/harmonia. Mas aí pensei: tem artista mais provocador que o Raulzito? É isso! Pois bem, a homenagem do poema laranja vai ser uma pirraça: a música não tem a ver porra nenhuma, mas a letra sim. E ninguém vai saber disso se eu não contar a história. Quando "Homage" tocar, alguém (também) vai reclamar: "Como assim essa baladinha é uma homenagem a Raul?". Sabe de nada, inocente.
95º ensaio TOP em 11/04/2006. Foto: Vanessa Caldeira
CONSTRUÇÃO
"Homage" já estava prometida para o 2º CD desde 2003, mas isso só foi cristalizado em novembro de 2005, cinco dias depois de ter a melodia finalmente composta, no posto de 6ª faixa. 2006 chegou e logo no sexto dia do ano redentor (era assim que o chamava no Diário TOP, o ano limite para o êxodo a Londres que não aconteceu), refiz a ordem do "Sleep in Snow Shape" e coloquei a canção no posto de faixa 02, de onde ela não saiu mais. Repeti o mesmo erro que cometi no 1º CD, quando coloquei a fraca "A Song to You, My Home" no segundo lugar por ela ser pop - pensando como radialista, quis colocar logo a suposta "hit" no começo do álbum, pra supostamente ganhar o ouvinte.
Ledo engano. "Homage" nunca teve sustância para ser segunda faixa, ainda mais vindo antes que "Melissa", a melhor música TOP. Que equívoco! "Homage" é uma música de meio pro final de disco, pra compor a obra, sem força pra ser single e funcionando como contexto artístico para a obra. Mas por sua pegada pop, era considerada como "hit" por mim.
Dois mil e seis seria o ano do atropelo. Na ânsia de produzir logo o 2º CD TOP, antes do tumultuado 2º semestre (que seria dedicado à formatura na Facom/Ufba), agendei a gravação para abril. E o primeiro músico laranja a conhecer "Homage", a faixa dois desse álbum, foi o baterista Hosano Lima Jr., faltando praticamente um mês para a primeira sessão. Doideira pura! O 1º CD do TOP levou de 2001 a 2004 para ser gestado, e o 2º seria pré-produzido em um mês. Ê vida oito e oitenta arretada! No primeiro ensaio só com o batera (20/03), no cafofo do seu apê na Graça (como nos tempos primordiais da laranja em 2000 e 2001), Hosano sugeriu um coro de vozes na música. Na semana seguinte, "Homage" ficou redonda 100%, por ser quadradinha, sem variações, reta.
A banda completa trabalhou na canção pela primeira vez no 94º ensaio, na terça 4 de abril. Em duas execuções, a música ganhou o apreço do guitarrista Fábio e do baterista Hosano. Quem encrencou mesmo foi Zanom, ironicamente o responsável por musicar "Homage" e não o fez. Mesmo criando um lindo arranjo "caixinha de música", taxou a canção de muito pop, assim como a comprida balada "Another Lost Skin", reclamando de um possível caráter "pop" demais no 2º CD. Eu rebati: "esse novo álbum vibra assim porque está seguindo uma linha definida e não tem o caráter 'crioulo doido' do primeiro. E o que não é pop? Pra mim, 'Dark Side of the Moon' é o mais pop de todos". Hosano me endossou e o itapuãzeiro preferiu ficar na sua.
Tadeu Mascarenhas e Artur Paranhos na 4ª sessão de gravação do álbum "Sleep in Snow Shape" em 10/05/2006
GRAVAÇÃO
Antes de entrar em estúdio, projetei catorze participações especiais para o "Sleep in Snow Shape". De amigos músicos como Rogério Alvarenga (da Soma), Taciano Vasconcellos (depois formaria O Círculo), Juracy do Amor (parceiro no Pássaros de Libra em 2000) e o cantor Rodrigo Pinheiro (que acabou gravando "Homage" em 2014 - mas foi projetado nessa época para fazer vocais em "Cuts"), passando por referências como o professor Monclar e o "chefe" Mário Sartorello, até cantoras como as amigas Carla Visi e Eva Cavalcante (que chegou a gravar um backing na hoje descartada "New Help", do 1º CD).
Engraçado que, por vários motivos, quase todos os convites projetados nessa época não se concretizaram (cheguei até a ensaiar com Eva no final de abril, treinando um arranjo meu para o tal coro sugerido por Hosano em "Homage"), e os únicos amigos que gravaram foram Rajasí Vasconcelos e Gabriel Franco em "To The Sky" (de Raja) e Fabrício Mota (baixista que substituiu brevemente Artur no 2º semestre de 2005) no pandeiro (hoje descartado) de "Shining" e "Madness".
Hosano gravou "Homage" na 1ª sessão do álbum, quarta 26 de abril, num momento de final de gravina, para adiantar e matar logo, já que era a mais fácil de tocar do álbum - e eu não consegui gravar o violão guia na parte do "Vibrato" (Tadeu teve de fazer, porque eu fiquei perdendo o andamento). Uma semana depois, na 3ª sessão, Artur Paranhos estava num dia ruim e não conseguiu gravar a primeira música pedida por ele: "Homage" - muitos erros; sem expressão, sem pegada, muitos remendos. Várias regravações. O baixista definiu: "estou todo travado". Acabou gravando na quinta 11 de maio (efeméride de 25 anos da morte do rei Bob Marley), quando veio com sangue no olho e finalizou as músicas que faltavam.
Zanom grava em "Sleep in Snow Shape"
Na terça 9 de maio, rolou um ensaio "power trio" entre eu, Hosano e Zanom. Artur preferiu ficar em casa estudando a sós com o metrônomo e Fábio simplesmente furou (nosso Romário não gostava de ensaiar). Em "Homage", confirmamos a excelente "caixinha de música", mais um eficiente arranjo do itapuãzeiro que se fundia à composição como se fosse parte dela, indissociável. E a criação mais controversa do ensaio foi um riff terrivelmente grudento para a última parte (o que viria a substituir o coro, mencionado acima). De tão pop, foi motivo de intensa chacota entre os laranjas de libra. A presença de Hosano foi fundamental para que aceitássemos o tal riff: "rapaz, a música é pop, é single, comercial, tem que ter isso aí mesmo, pra poder estourar". Topamos.
[Relembrei da comédia que foi "Homage" no ensaio seguinte, o 99º em 23 de maio com a banda completa, numa versão embromada, com um final bizarro em português e várias risadas no começo, com Zanom imitando crianças psicóticas que, segundo ele, deveriam estar falando por trás da música, algo do tipo "eu vou enfiar a faca nele" - não rolou]
"Homage" não foi quebra-galho de fim de sessão para Hosano (por ser menor e mais fácil que as outras, era pedida pra aliviar as tensões ou começar logo pela mais tranquila)? Serviu desse jeito também para Zanom, que gravou seu arranjo "caixinha de música" de primeira, sem nenhum erro, contrariando minhas previsões malignas, também na mesma quinta que Artur finalizou sua parte com excelência. O engenheiro de som Tadeu Mascarenhas iluminou o ambiente ao colocar um delay maravilhoso no arranjo, fazendo surgir uma "marimba psicodélica", algo que deixou a canção muito mais bonita. Zanom concluiu gravando a base distorcida e o riff grudento no esquema grava tudo, depois remenda (comum demais no processo do 2º CD, que foi um álbum compreendido e arranjado durante seu processo de gravação). Depois da parada do meio do ano, chegamos a cogitar um solo ou um slide dobrando o riff, mas preferimos deixá-lo sem dobra associado apenas ao meu vocalize e fade out.
Tadeu Mascarenhas ajeita a caixa para Fábio Vilas-Boas gravar em "Sleep in Snow Shape" em 26/05/2006
Na 10ª sessão de gravação, uma sexta, 26 de maio, o guitarrista Fábio Vilas-Boas estreou no 2º CD TOP. Pouco mais de duas da tarde, após uma prosa de reencontro com Tadeu Mascarenhas e as arrumações iniciais, o pastor pediu "Homage" pra começar - na verdade, não sabia o nome da canção; quando se referia a ela, falava: "aquela da caixinha de música". Com sua celebrada guitarra Crafter, o módulo RP-1 no seu melhor efeito e duas caixas ligadas pra dar 'quilos' de delay à face "Floyd" do poema laranja, Fábio teve muita tranquilidade em gravar o seu "teclado".
Gravei o violão na quarta 17 de maio. Foi uma sessão muito ruim pra mim: em 4h, só consegui gravar três músicas. 12h42, a fome em alta, era a hora de guardar o instrumento, pagar e ir embora. Mas como sempre fui queixão, muni-me com uma justificativa de que a afinação do violão 12 cordas consumiu quase uma hora e pedi pra gravar "Homage". Como era a menor e a mais fácil, Tadeu, mesmo com fome e cansado, concordou. Pra economizar tempo, fez um loop no final da música com o melhor trecho tocado. E, diferente do que foi na gravação das guias, consegui gravar de primeira o arranjo ("Vibrato") que pariu a canção.
A voz gravei no terceiro dia de julho - estava um pouco mais recuperado da constante alergia que vinha me detonando nas sessões. Mais confiante, cheio de vontade, com o amor da época mandando mensagem positiva pro recém-chegado celular (em 2006, meu primeiro!), o astral estava ótimo. Gravei "Homage" no mesmo esquema rotineiro grava tudo e depois conserta - consegui boas minúcias no vocal, principalmente os falsetes finais do coro, meu arranjo, que seria gravado por Eva C. e backings vocais e não foi (o arranjo foi preservado na versão final da canção em 2014 porque Rodrigo não conseguiu fazer - faltou ensaio e tempo).
Mirdad grava a voz em "Sleep in Snow Shape" em 2006
"Homage" foi finalizada na segunda e terça, 21 e 22 de agosto. Na manhã de primeira mix, Tadeu Mascarenhas estava meio doente, tinha passado a noite inteira com febre alta. Disse que se o mal-estar atrapalhasse, pararia a sessão. A primeira música? Adivinhe. Enquanto Tadeu trabalhava, fiquei lendo o primeiro livro indicado pro meu TCC. Acertos na "marimba" (a.k.a. "caixinha de música"), acertos nas notas do final e a 1ª mix de "Homage" foi concluída às 12h25. Em casa, ouvi-a atentamente e detectei erros pra serem consertados. No dia seguinte, de muita chuva, levei pro estúdio meu som portátil, pra ter um melhor parâmetro da mix. Mostrei os erros que encontrei, Tadeu aproveitou pra ouvir o 1º CD TOP e fazer um comparativo entre os sons dos álbuns (a sua qualificação foi que o novo tinha um som mais aberto, mais limpo - concordei). "Homage" foi consertada e finalizada. "Sleep in Snow Shape" ficou pronto em outubro e foi direto pra gaveta, com o final da banda no terceiro mês de 2007.
EM PORTUGUÊS
Primeira quarta do mês de agosto de 2006, na condição de homem mais feliz do mundo (tinha acabado de completar 9 meses de um namoro, época de muito amor), eu estava em ebulição. Finalmente decidi que iria pôr pra frente o projeto de nacionalização do Orange Poem porque não queria mais fazer o êxodo para Londres - simplesmente pra não ficar longe da amada, ó que bobo e ingênuo. Tinha pensado em alguns nomes para a nova banda, como Laranja Poema, Poema Laranja, Cosmorama (já existia uma banda com esse nome), Cosmolaranja e Signopoesia, entre outros. Com o violão Alhambra em mãos e caneta em punho, revisei as letras das canções do 2º CD TOP. Transformei "Homage" em "Petecas", mas com um problema na última frase, o clímax da canção. Tempos depois, o resultado não me empolgou muito e eu decidi finalizar o álbum em inglês mesmo.
Em 2007, ano novo, banda nova. No clima de montar o repertório da Pedradura, no dia 21 de abril de 2007, compus a música "Petecas". Na verdade, um rearranjo: a letra vinha de "Homage" e a melodia de "Cuts", com novas partes e harmonias, um novo final e um novo ritmo, na casa do samba rock experimental com trechos em valsa. Entrou no repertório do CD, foi ensaiada algumas vezes, mas como não tivemos tempo suficiente para aprontá-la (o 1º ensaio da banda foi em 25/07 e a 1ª sessão gravação em 09/09), acabou não sendo gravada no Universo Telecoteco, primeiro e único álbum da Pedradura, que acabou logo depois, por causa da ida do baterista Edu Marques para a França.
Rodrigo Pinheiro e Mirdad ao final da sessão de gravação de voz do EP Unquiet no final de março de 2014. Foto: Ana Gilli
VERSÃO FINAL
Depois de uma pausa de sete anos, retomei a banda The Orange Poem com a inusitada proposta de regravar os dois álbuns com novos vocalistas. Em janeiro, lancei o EP Ground (2014) com o luxo de ter a voz implacável e de facão do grande cantor e compositor Glauber Guimarães. Fomos parceiros de banda no projeto Sad Child (que só fez ensaios e chegou a ter um EP demo ao vivo gravado), que só foi pra frente quando o amigo cantor e guitarrista Rodrigo Pinheiro (atual Mulher Barbada) topou fazer comigo. Nada mais justo que o próximo EP da Orange, o Unquiet, pudesse ter sua voz. E a felicidade foi tremenda quando ele topou e regravou a voz das músicas do EP no mesmo dia, na sexta 28 de março de 2014.
O mais impressionante foi que Rodrigo, conhecido como John, gravou "Homage" no final da sessão, já na morte mesmo (depois de ter feito um extenuante trabalho em "The Unquietness" e ter mandado rápido em "Neither Gods, Nor Devils"), sem ter treinado suficiente; ele, como cantor cover, não quis arriscar uma nova interpretação e dublou na íntegra a minha voz original. Coerente! Semanas antes da sessão de gravação, na preleção das músicas, ele acabou se decidindo por "Homage" ao saber que a letra homenageava Raul Seixas, um dos mestres homenageados por sua clássica banda Besouros do Sertão (engraçado que nela Rodrigo cantava a face Beatles).
Tadeu Mascarenhas grava em março de 2014 o sintetizador em Homage, coincidentemente vestido com uma camisa de Raul Seixas
Com a retomada do Orange Poem, intimei Tadeu Mascarenhas a entrar definitivamente na banda, que tirou de tempo, dizendo um talvez sim. Continuei com a estratégia de inseri-lo enquanto músico no som laranja, e assim como foi em "Rain" e "Farewell Song" do EP Ground, ele foi gravar as suas teclas e arranjos nas músicas do EP Unquiet. Na segunda 07 de abril de 2014, depois de 6h de estrada vindo de Ilhéus, chego à tarde ao Casa das Máquinas para 1ª sessão de gravação de Tadeu. Não é que o encontro vestido com uma camisa de Raul Seixas? Haja sincronia, meu amigo! Qual foi a primeira música pedida? Adivinhe. "Homage" foi finalizada em 14 de abril e o EP Unquiet lançado no dia 22 de abril de 2014, finalizando o percurso de quase 15 anos da minha composição - iniciado em 19 de agosto de 1999 (e já teve os nomes de "Vai Cair, Vai Subir", "Catástrofe", "Homenagem" e "Petecas").
Abaixo, o vídeo "A mentira do sistema", disponível no Youtube, contendo um trecho da entrevista de Raul Seixas para a TV Gazeta em 1988, de onde, por sugestão de Tadeu Mascarenhas, retiramos o trecho da fala do maluco beleza que está inserido na versão final da canção em sua homenagem: "Há um inconformismo vigente, tangível e palpável, solto no ar".
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