Mariana Paiva
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad
"O tempo me tirou coisas
Mas não sou suficientemente forte
Para revides
Então fico sem
O carinho das mãos já encolhidas
De minha avó"
"Para ouvir suas palavras
até o sol se escondia um pouco
mas o que ele dizia nunca era profundo
A graça era essa:
ter potencial para precipício
e ser um lago bem rasinho
onde até anão dá pé"
"Sou meio assim e meio de outro jeito
e quando alguém me quer inteira
estou em falta"
"Atravessei o corredor longo
e cheguei à cozinha
cantarolando Lou Reed em Perfect Day
Foi sem querer. Nem sei se ele notou
– dentro de mim, não sei se espero que sim
ou se espero que não –
mas cantei
porque pelo menos nisso
naquele dia
eu e Lou concordamos"
"O amor insiste em vir
quando ninguém acha
que o amor vai chegar"
"Acho certa falta de sensibilidade
naqueles cartões de fim de ano
que desejam tudo de novo para o ano seguinte
quando mal sabemos o que fazer do velho"
"O homem preenche relatórios para se libertar
move ações, organiza papéis sobre a mesa
e até mesmo deixa no quadro branco do escritório
sempre a mesma frase de Shakespeare,
mas por duas razões: a primeira porque é um clássico,
a segunda para provar que pode sempre ser a mesma frase"
"Com o coração
mais pra lá do que pra cá
despedaçado
daquele jeito que não dá para remendar
– porque o tecido de que o coração é feito
é difícil de costurar"
"Ele me telefona para contar
que viu o carro de seus sonhos
Tão machinho, coitado – eu penso
Mas logo me vem uma alegria sem explicar
porque, naquele instante
a empolgação de sua voz me devolve
o meu amor. O homem que era feliz
de forma completamente circunstancial"
Trechos presentes no livro de poemas "Lavanda" (Kalango, 2014), de Mariana Paiva.
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