Carlos Barbosa
Foto: Sarah Fernandes
"O homem que lê contempla o mar.
Do alto da torre em que mora.
Enquanto afaga seu barril de amontilado.
O mar, matéria por demais agitada, entontece.
O homem, que lê bem conhece.
Prefere o mar que tem aberto nas mãos.
Encadernado.
Onde costumeiramente mergulha (...)"
"A mulher prepara um cozido (...)
Molho de pimenta reservado.
O copo de cerveja na bancada a lacrimar.
Depois de um gole, a mulher enxuga a testa com o dorso da mão esquerda.
Só então começa a esquartejar o desgraçado."
"Quero uma noite primária e tonta.
Um tempo de mármore para esculpir seu nome.
Um beijo que vibre na varanda, que rompa o lacre da madrugada.
Quero escrever em sua carne branda com meus dentes implantados.
Quero a dor embalada pra presente.
Um dia de inverno no leito rachado de um riacho.
Eu a quero como teto, como janela pro mar.
Um ardil que aprisione nosso áspero odor (...)"
"Bandido prende o cidadão honesto.
Cidadão honesto elege o corrupto.
Corrupto posa de autoridade.
Autoridade se entrega ao capital.
O capital virucida o mundo.
E o mundo aplaude o bandido."
"(...) – Barbosa já morreu.
– Pois é, morreu culpado pela derrota brasileira na final para o Uruguai. Ele mesmo denunciou a pena eterna que lhe aplicaram. Pensava nisto: no gosto brasileiro por penas eternas aos outros e absolvição antecipada a si mesmo (...)"
"Fazia música como um aparelho de ressonância magnética.
Bombou na rede, causou na mídia, rolou shows até no exterior.
Passou a viajar de jatinho.
Decidiu, então, fazer música como turbina de jato em colchão de nuvem.
Fracassou.
Voltou a animar bailinhos na periferia.
Agora faz música tipo escapamento aberto de moto: ronco, estalo e pipoco (...)"
"A certa altura, a moça reivindicou penetrá-lo."
"(...) O amor, meu caro, é um caminho de cortinas que se deve abrir, uma a uma, com interesse de desbravador e sutileza de espadachim."
Presentes no livro de minicontos "Obscenas" (P55, 2015), de Carlos Barbosa, páginas 08, 03, 43, 29, 41, 15, 21 e 34, respectivamente.
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