Marcus Vinícius Rodrigues
Foto: Divulgação
Tudo o que sei
Posso saber do mar distante
pelo barulho longe
e do sol que brilha
pela sombra que o esconde.
Posso saber que a terra gira
só de olhar para o alto
e, tonto, olhos fechados,
ainda o sangue em correnteza
pela erosão do corpo gasto
na marcha da vida,
sei o que você não disse
na hora da despedida:
– Somos nossa única certeza.
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Saber do corpo
É preciso saber do corpo como nave,
os passos de uma precisa navegação
que mais nos aproxime que afaste
e mova-se sempre mais ao encontro
do seu outro também barco e porto.
É preciso saber do corpo como praça
que alimenta as aves e a multidão
e permite, na marcha, abrir as asas
do caminho que por dentro rasga
os muros que nos dizem não.
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Ilhéus
Você me verá ao cais
vazio da cidade onde nasci,
andando sobre o lodo
do mar que esvai.
Também eu parti
rumo à saudade,
esta nova pátria
de onde não posso fugir.
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Mar da vida
Para Ananda Amaral
Toma a vida
aos goles curtos
que o mar é
todo afogamento.
Toma-os, porém, muitos,
em quantidade reiterada,
até abrir-se dentro
um oceano para cada
amante que te navega,
tantos quantos forem
as vagas de tua alma.
E, depois,
faze-te ao largo, esquece o porto,
abandona-te à saga.
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Andar de bicicleta
Meu amor me ensina a andar de bicicleta,
o equilíbrio delicado da aventura.
Ele segura firme e me ampara
quando hesito e ameaço a queda.
O vento no rosto, o chão fugindo sob os pés,
tudo me engole em vertigens.
Quando, cansados, deitamos debaixo das árvores,
as nuvens tortas de nossa festa na relva,
sou eu quem ensina, professor aplicado,
a verdadeira arte: desequilibrar-se.
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Além dos delitos
Porque não sei do mar e das vagas
que os dias claros trazem à praia
vivo a adivinhar, dentro da noite,
os ventos úmidos que por sobre
cordilheiras e vales me vêm
contar o mundo que houve,
o estranho mundo em que amores
navegam líquidos movediços
e derivam para além do sabor,
muito além de todos os delitos.
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Um corpo em viagem
O corpo, mapa de viajantes perdidos.
O desejo, bússola tresvariada.
Cultivei em mim desencontros
em lavras e lanhas de disciplinas sacras.
Fui fértil de atrasos e enganos,
fui na vida avaria trágica.
Presentes no livro de poemas "Arquivos de um corpo em viagem" (Mondrongo, 2015), de Marcus Vinícius Rodrigues, páginas 36, 50, 13, 28, 41, 27 e 14, respectivamente.
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