Georgio Rios
Foto: Divulgação
"Desenterrou do quintal a lata de leite recheada de gudes. Depois de muitos anos lembrou-se de tê-las enterrado naquele lugar. Despejou o conteúdo vítreo no chão da sala e, ao ver rolar cada esfera, lembrou-se do universo. Lembrou-se que cada pequenina gude daquelas era a seu modo um pequeno planeta em que habitavam muitas histórias da galáxia distante que foi sua infância, derramada de dentro daquela enferrujada lata de leite."
"(...) Sulamita era mulher de pedra. Uma rocha que viu o marido e os quatro filhos descerem ao pó da terra. Tudo sem choro. Na secura das terras que enterrou o seu umbigo. Viu as poucas vacas morrerem, os bodes desembestarem na caatinga seca. Nem uma lágrima (...) E agora, depois de noventa anos sem sair do chão onde nasceu, cismou que queria ver o mar. Logo ela, tão acostumada com tamanha secura (...) Seguiu que nem menina. Forte, livre... Desembestada nas águas salobras. Molhou as mãos, a cabeça, e deixou cair o que pareceu ser as duas lágrimas que verteu na vida."
"Uma dose de esperança. Tomou tudo num só amargo gole. Seguiu, sem maiores sentimentos, para a estação de trem ao fim do arruado. Buscava, em vão, a máquina que o levasse aos rincões da tão longínqua e pequena infância. Por fim, resignado, admirava o mar impresso num cartaz na parede cinza da estação, onde um menino e seu cão admiravam o mar infinito no vão da tarde."
"Escondeu as moedas num furo do bloco, cobriu-as com papel e saiu como se não tivesse roubado a mãe."
"Carlos içou a linha, estava pesada, puxando muito. Era um dos grandes, e a briga estava boa. Dez dias depois, já exausto, o pescador resolveu admitir que a história fosse em verdade mais uma fábula de pescador, e a foto que ostentava nas rodas de papo, era arte do seu filho, um menino arretado no tal de photoshop."
"– Mestre? (...) – Mestre! (...) – Mestre. (...) Depois de descer a montanha, o discípulo deixou o casaco de peles de ovelha e seguiu resoluto pelo único caminho."
Presentes no livro de minicontos "Ficções ao mar" (P55, 2012), de Georgio Rios, páginas 46, 10, 41, 17, 27 e 31, respectivamente.
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Um abraço