Pular para o conteúdo principal

Ruy Espinheira Filho lê o poema "A que partiu há pouco" na Flica 2017

Flica 2017 - Mesa 05 - "A poesia em suas infinitas estações", com Ruy Espinheira Filho e mediação de Mônica Menezes - Foto: Emmanuel Mirdad


Na 7ª edição da Festa Literária Internacional de Cachoeira, mesa “A poesia em suas infinitas estações”, sexta, 06 de outubro, o grande autor homenageado da Flica 2017, Ruy Espinheira Filho, lê o poema “A que partiu há pouco”, do seu livro Noite alta e outros poemas (Patuá, 2015), feito em homenagem à escritora baiana Sonia Coutinho (1939-2013). A mesa teve a mediação de Mônica Menezes e a curadoria de Tom Correia. Filmado do celular por Emmanuel Mirdad, sócio-diretor da Cali e coordenador geral da Flica.


Não consegue visualizar o player? Veja no YouTube aqui


A que partiu há pouco
Ruy Espinheira Filho

                                                   a Sonia Coutinho,
                                                          in memoriam

A que partiu há pouco
há muito vinha partindo
com os amigos mortos
os pais mortos
o irmão morto
os namorados e maridos que começavam a morrer
os livros que lera e escrevera
morrendo nas estantes
(que estalavam no meio da noite
  suspirando em suas mais lentas
  mortes)
com sonhos mortos
e lembranças da juventude há muito morta
lembranças
principalmente de Paris
à qual planejava voltar em breve.

A que partiu há pouco
há muito procurava
de certa maneira inconsciente
o que pudesse fazer para enganar
ao menos em parte
o que se adensava com tantas mortes.

Continuava ela a respirar
a se mover
a tecer alguns sonhos
e olhava a vida e pouco a reconhecia
nada mais tinha a ver com as pessoas
as ruas
e então voava de regresso à cidade antiga
mas descobria logo que ela estava também cheia de mortos
mesmo alguns que continuavam
respirando e se movendo
porque já não passavam de fantasmas
para os quais ela era uma aparição
que os assustava
pois trazia consigo um cortejo de mortos
e eles pensavam que ela também fazia parte dele
e por isso entre ela e eles não poderia haver mais nada
que justificasse o retorno à cidade antiga.
E então ela voava em sentido contrário
e permanecia na cidade maior
com seu cortejo de mortos
e de novo voava à cidade antiga
indo e voltando
voltando e indo e
principalmente
pensando em Paris.

E um dia disse a uma velha amiga
que voltaria de vez à cidade antiga
onde ficaria com mais sossego
e não mais sentindo
(esperava)
os vazios que iam crescendo em seu íntimo.
Antes porém iria rever Paris
e pela mais bela cidade andaria por dias e noites
embora não mais aguentasse longas caminhadas
ah
Paris
seu recanto mais cintilante
da memória.

E então o telefone chamava inutilmente hora após hora
noite e dia
e por fim foram até lá
abriram a porta
e ela certamente já partira
na tão sonhada viagem
porque ali só encontraram um corpo frio
e murcho como os livros das estantes.

Esta a história que posso contar
da que partiu há pouco e há muito vinha partindo
como todos nós que temos igualmente nossos cortejos de mortos
e um dia ocuparemos um lugar e também partiremos
em definitivo
rumo a
espero eu
Paris.



Poema presente no livro Noite alta e outros poemas (Patuá, 2015), de Ruy Espinheira Filho, página 39.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Seleta: Gipsy Kings

A “ Seleta: Gipsy Kings ” destaca as 90 músicas que mais gosto do grupo cigano, presentes em 14 álbuns (os prediletos são “ Gipsy Kings ”, “ Este Mundo ”, “ Somos Gitanos ” e “ Love & Liberté ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 14 álbuns participantes desta Seleta 01) Un Amor [Gipsy Kings, 1987] 02) Tu Quieres Volver [Gipsy Kings, 1987] 03) Habla Me [Este Mundo, 1991] 04) Como un Silencio [Somos Gitanos, 2001] 05) A Mi Manera (Comme D'Habitude) [Gipsy Kings, 1987] 06) Amor d'Un Dia [Luna de Fuego, 1983] 07) Bem, Bem, Maria [Gipsy Kings, 1987] 08) Baila Me [Este Mundo, 1991] 09) La Dona [Live, 1992] 10) La Quiero [Love & Liberté, 1993] 11) Sin Ella [Este Mundo, 1991] 12) Ciento [Luna de Fuego, 1983] 13) Faena [Gipsy Kings, 1987] 14) Soledad [Roots, 2004] 15) Mi Corazon [Estrellas, 1995] 16) Inspiration [Gipsy Kings, 1987] 17) A Tu Vera [Estrellas, 1995] 18) Djobi Djoba [Gipsy Kings, 1987] 19) Bamboleo [Gipsy Kings, 1987] 20) Volare (Nel

Seleta: Ramones

A “ Seleta: Ramones ” destaca as 154 músicas (algumas dobradas em versões ao vivo) que mais gosto da banda nova-iorquina, presentes em 19 álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Ramones ”, “ Loco Live ”, “ Mondo Bizarro ”, “ Road to Ruin ” e “ Rocket to Russia ”). Ouça no Spotify aqui [não tem todas as músicas] Ouça no YouTube aqui Os 19 álbuns participantes desta Seleta 01) The KKK Took My Baby Away [Pleasant Dreams, 1981] 02) Needles and Pins [Road to Ruin, 1978] 03) Poison Heart [Mondo Bizarro, 1992] 04) Pet Sematary [Brain Drain, 1989] 05) Strength to Endure [Mondo Bizarro, 1992] 06) I Wanna be Sedated [Road to Ruin, 1978] 07) It's Gonna Be Alright [Mondo Bizarro, 1992] 08) I Believe in Miracles [Brain Drain, 1989] 09) Out of Time [Acid Eaters, 1993] 10) Questioningly [Road to Ruin, 1978] 11) Blitzkrieg Bop [Ramones, 1976] 12) Rockaway Beach [Rocket to Russia, 1977] 13) Judy is a Punk [Ramones, 1976] 14) Let's Dance [Ramones, 1976] 15) Surfin' Bi

Oito passagens de Conceição Evaristo no livro de contos Olhos d'água

Conceição Evaristo (Foto: Mariana Evaristo) "Tentando se equilibrar sobre a dor e o susto, Salinda contemplou-se no espelho. Sabia que ali encontraria a sua igual, bastava o gesto contemplativo de si mesma. E no lugar da sua face, viu a da outra. Do outro lado, como se verdade fosse, o nítido rosto da amiga surgiu para afirmar a força de um amor entre duas iguais. Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras e com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça. Ambas aves fêmeas, ousadas mergulhadoras na própria profundeza. E a cada vez que uma mergulhava na outra, o suave encontro de suas fendas-mulheres engravidava as duas de prazer. E o que parecia pouco, muito se tornava. O que finito era, se eternizava. E um leve e fugaz beijo na face, sombra rasurada de uma asa amarela de borboleta, se tornava uma certeza, uma presença incrustada nos poros da pele e da memória." "Tantos foram os amores na vida de Luamanda, que sempre um chamava mais um. Aconteceu também a paixão