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Cinco poemas e três passagens de Daniela Galdino no livro Inúmera / Innumerous

Daniela Galdino - Foto: Ana Lee


Rotina
Daniela Galdino

Não preciso de alguém que a mim defina.
Definho...

Mergulho na grande cesta de lixo
Misturada às flores machucadas

Mas eu driblo o destino irreciclável.
Permaneço onde não se supõe.

Escapo da morte cosendo melodias singulares.
Reinvento a poética na travessia das manhãs.

Madrugo vagareza comendo as folhas do tempo.
O estopim do verde basta às minhas necessidades.

Devoro com vigor o produto da minha fertilidade.
Eu também sou o meu principal nutriente.

Em prolongados silêncios refloresto-me.
Em desmedidos gestos refloresço-me.

Espalho aromas e rompo o casulo:
em minha casa todos os dias eu viro borboleta.

--------

Ardil
Daniela Galdino

recolher
a matéria
que é de
silêncios:

eu não
quero
levantar
a palavra
em vão

porque...

quando
eu falar
irão
despregar

todas
as estrelas
do meu
céu da boca.

--------

Obra de fricção
Daniela Galdino

Gosto de homens
que têm buceta imaginária
daquelas bem colocadas
na coxa esquerda.

Gosto de homens
aventureiros da carne e do osso
daqueles que vibram
com o encontro das nossas bucetas.

Esses homens incomuns sabem,
no relincho do segundo,
no piscar do silêncio,
que eu explodo blasfêmias
com a voracidade vulcânica.

Esses raros homens sentem,
no calor da obra friccional,
que na dessemelhança
da minha realidade
nada é mera coincidência:
primeiro, o diálogo de bucetas.
Depois, a penetração por trás.

--------

Procissão lunar I
Daniela Galdino

no alto da lua
ela está plantada:
raiz, nunca rizoma.

no alto da lua
ela está segura:
claustro, nunca alicerce.

no alto da lua
ela está em espera:
do ontem, nunca mais!

no alto da lua
uma galeria infinda
de gestos inconclusos.

e ela... e ela... e ela...

do alto da lua
salta para dentro de si
mergulha em abismos
e não vê o mundo.

--------

Varanda de si
Daniela Galdino

A mão que busca a garrafa perdida
os pés que supõem ilhas distantes
só encontram o alforje do tempo
lambido pelas ondas da aurora
inflado de espumas invisíveis
escorrido pela praia da memória.

--------

"Não sei desenhar
não sei fazer conta
só entendo de assustar palavras."


"Acordei com um sol enorme
                                       dentro de mim

(...)

borbulharam pensamentos de lama
nos lençóis freáticos da memória

(...)

ergueu-se um centenário baobá
no terreiro inabitado de mim"


"Tereza inaugura-se:
                 No diminutivo da espera
                 no cair da laranja madura
                 na janela do adeus
                 fiquei prostrada.

                 Hoje invento contragolpes:
                 comi a auréola da submissão.
                 e sou especialista em fazer
                                       a flor de zíaco.

Afogada em si, Amélia constata:
                Desengarrafo silêncios vencidos
                antes que me atropelem
                                                  o existir.

                Não sou segunda voz
                           na banda de Narciso.
                – Aliás, sequer o conheço.

A obscena senhora D blasfema:
                 Sou incisiva.
                 Abro fendas na cara do dia.
                 Brotam coágulos.

                 Tenho pena desse Deus.
                 Alguém precisa dizer
                 que o livro de Gênesis
                 é um flash back
                           mal digerido."



Presentes no livro de poemas Inúmera / Innumerous (Mondrongo, 2017), páginas 124, 64, 46, 82 e 80, respectivamente, além dos trechos dos poemas Mulher abjeta (p. 20), Alvorecida (p. 26) e Cabaré sideral (p. 98), presentes na mesma obra.

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