Nicolas Behr - Foto: Ésio Macedo Ribeiro
“minha poesia é o acupunturista usando parafusos”
“minha poesia é a pedra no estilingue do
menino palestino morto com um tiro na cabeça”
“minha poesia faz silêncio na cama pra ouvir
o barulhinho gostoso do orgasmo”
“minha poesia desnuda a alma mas não tira a roupa”
“minha poesia é a umidade da amazônia
que você sente no interior da paraiba”
“minha poesia é como uma árvore rara, solitária,
florida, esquecida, no meio do sertão da bahia”
“minha poesia deixa o tempo chuvoso no piauí”
“minha poesia pede aos que tiveram a mão
decepada que levantem o dedo”
“minha poesia é a preferida das traças”
“minha poesia é uma árvore-da-felicidade
com depressão nas folhas, esquizofrenia nas flores”
“minha poesia na sala de espera do analista
rasga a revista, chuta a porta e pula do edifício”
“minha poesia é o bilhete do suicida arrependido”
“minha poesia salva-vidas mas afoga os mortos”
“minha poesia são unhas roendo dentes”
“minha poesia na íntegra se desintegra”
“minha poesia pega o livro, olha a capa, olha
de novo, faz que vai abrir mas não abre”
“minha poesia é o único meio de atingir o belo
com uma pedrada pelas costas”
“minha poesia entra no poema disfarçada de gilete”
“minha poesia acerta na veia e deixa sangrar”
“minha poesia pode ser uma porcaria mas nunca
elogiou josef stalin como fez pablo neruda nem
elogiou adolf hitler como fez ezra pound”
“minha poesia é a educação pela pedrada”
“minha poesia é indicada para sombrear o sol”
“minha poesia faz o bem pensando no mal”
“minha poesia é tudo isso que você está sentindo
agora mesmo que você não esteja sentindo nada”
“minha poesia consegue fazer mil coisas
ao mesmo tempo. menos agradar você”
“minha poesia vai ser esquecida, como todas”
Nicolas Behr - Foto: Acervo pessoal
“minha poesia pisa sobre palavras em brasa”
“minha poesia é apenas desculpa para um abraço”
“minha poesia é um ser vivo que luta
desesperadamente para continuar vivo”
“minha poesia quer sair pelos campos do sul
da frança procurando a orelha de van gogh”
“minha poesia encontra a rainha
que a lucidez escondeu num banheiro público”
“minha poesia como criação – só se for criação
de leitores em cativeiro para produção de elogios”
“minha poesia escreve hoje com jeito de ontem”
“minha poesia cuida de glauber rocha doente
em lisboa. ele fez um filme sobre este livro”
“minha poesia naqueles dias disse aos seus
discípulos: é mais fácil um camelo entrar pra
academia do que um acadêmico sair da academia”
“minha poesia provoca a onça morta com vara
curta. a onça não se levanta. ela está morta de fome”
“minha poesia não escolhe leitor.
taxista não escolhe passageiro”
“minha poesia infeliz é mais feliz?”
“minha poesia é uma ordem. pode pular! pule já!”
“minha poesia quer desmistificar a morte,
entender a morte, encarar a morte, matar a
morte, morrer com a morte, enterrar a morte”
“minha poesia uma linha em cima, outra embaixo.
entre elas a minha poesia, você e a normalidade”
“minha poesia vai aos que me ensinaram modéstia”
“minha poesia é romance, ensaio, teatro, fraude”
“minha poesia é uma clareira na selva literária”
“minha poesia ao invés de caneta usa uma faca”
“minha poesia é culturalmente aceita. isso preocupa”
“minha poesia põe merda na pureza da linguagem”
“minha poesia gasta toda a palavra dinheiro”
“minha poesia é a impossibilidade do conformismo”
“minha poesia põe a mão no fogo e queima os dedos”
“minha poesia garante: fez sim concessões para ser
publicada por aquela grande editora de são paulo”
“minha poesia convence castro alves a não
ir àquela caçada e por isso ele vive mais 32 anos,
vindo a falecer em 1903, pobre e abandonado”
“minha poesia sabe se defender das agressões
mas é impotente diante dos elogios”
“minha poesia pisa em ovos e faz um belo omelete”
“minha poesia ama o feio, por isso, bonito lhe parece”
“minha poesia se contenta sim com meros
lampejos criativos que você adoraria ter criado”
“minha poesia só existe porque você não existe”
“minha poesia se você não gosta melhor ainda”
“minha poesia é roleta-russa. às vezes acerta,
às vezes erra, às vezes nem tenta”
Versos presentes no livro-poema Umbigo (LGE Editora, 2005), de Nicolas Behr, páginas 32 a 41.
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