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Os melhores versos do poema Umbigo, de Nicolas Behr — Parte 05

Nicolas Behr - Foto: Divulgação

“minha poesia sabe que todas as verdades são falsas”

“minha poesia se torna presente na ausência”

“minha poesia corre pro abraço, cai, quebra a cara”

“minha poesia é explosão vulcânica pra dentro”

“minha poesia é a casca tatuando o corpo da árvore”

“minha poesia perde as folhas e aí dá sombra”

“minha poesia fala através das próprias ruínas”

“minha poesia já foi longe demais. melhor voltar”

“minha poesia decreta: amai-vos uns aos outros
e o resto que se foda”

“minha poesia têm um papel higiênico a cumprir”

“minha poesia é uma palavra que resolveu ter cor”

“minha poesia faz com os pés o autoexame dos seios”

“minha poesia tem estilo. o problema são as moscas”

“minha poesia é colagem, miragem, ilusão, efeito”

“minha poesia seca as mãos com água, limpa as
mãos com terra, corta as mãos com agulha”

“minha poesia admira a paisagem dos elevadores”

“minha poesia são palavras frias que são flores secas
que são frutos podres que são árvores mortas”

“minha poesia é como fumaça. sufoca mas passa”

“minha poesia tem horror ao vácuo”

“minha poesia é um caco de vidro no seu olho”

“minha poesia sem olfato e paladar não faz sentido”

“minha poesia cumpre sua palavra
e muda o nome das coisas. mesa agora é tijolo”

“minha poesia hoje não tem nenhum compromisso
agendado com a realidade. amanhã também não”


Nicolas Behr - Foto Truman Macedo

“minha poesia é a voz que começa na garganta
e termina aqui”

“minha poesia é o free jazz da literatura”

“minha poesia com o dedo no gatilho
é muito mais rápida que a morte”

“minha poesia é iconoclasta mas isso não basta”

“minha poesia se serve pra jogar fora
então serve pra poesia”

“minha poesia é como um corpo que nasce, cresce,
morre, esfria, endurece, desidrata e apodrece”

“minha poesia está a um passo da loucura ou
a um passo de um novo poema?”

“minha poesia desata os nós dos bambus”

“minha poesia entra em cena e fica só no aplauso”

“minha poesia não é feliz mas tem quem a leia”

“minha poesia é saída honrosa, morte digna”

“minha poesia é estímulo que faz o suicida viver”

“minha poesia saiu no meio do sarau poético.
chatice tem limite”

“minha poesia é mestre em literatura pela
faculdade das letras apagadas e ciências ocultas”

“minha poesia não passa de um passatempo”

“minha poesia é murro em ponta de faca”

“minha poesia pede desculpas só pra te agradar”

“minha poesia é apenas uma tentativa de
te ludibriar. parece que está conseguindo”

“minha poesia cria uma nova
forma fixa de poesia: a zorra total”

“minha poesia olhou pra plateia da faculdade mas
só viu seios. pra que tantos seios? dois bastam”

“minha poesia, em grego, defeca odes de mármore”

“minha poesia é esgoto sagrado na água benta”

“minha poesia não tem mais nada a dizer mas
mesmo assim vai dizer o que não tem a dizer”




Versos presentes no livro-poema Umbigo (LGE Editora, 2005), de Nicolas Behr, páginas 42 a 51.

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