Pular para o conteúdo principal

Os melhores versos do poema Umbigo, de Nicolas Behr — Parte 03

Nicolas Behr - Foto: Carlos Terrano

“minha poesia limpa a orelha do livro
e agora o livro escuta a minha poesia”

“minha poesia só cria porque tem alguém
trabalhando e preparando o almoço”

“minha poesia parte do princípio que é o fim”

“minha poesia é cultura popular
sem gente na praça”

“minha poesia isola o gen da inspiração e pisa nele”

“minha poesia tem a faca e o queijo na mão
mas lhe falta a vontade de comer o queijo”

“minha poesia cobra coerência e ainda dá o troco”

“minha poesia me decifra e quase me devora”

“minha poesia, apunhalada pelas costas, vira-se”

“minha poesia se mata todo dia e continua viva”

“minha poesia na dúvida não ultrapassa”

“minha poesia introduz a prática agrícola
na teoria literária e o poema produz tomates”

“minha poesia vai ao supermercado
e volta com sacolas cheias de sombras enlatadas”

“minha poesia analisa a interpretação do comentário”

“minha poesia estragou? o crítico dá um jeito”

“minha poesia é um telefone fora do gancho”

“minha poesia é água fria que você joga na cara”

“minha poesia fracassa, mas fracassa cada vez melhor”

“minha poesia morde a ponta do próprio rabo”

“minha poesia é a alegria de estar só”

“minha poesia é apenas uma simples questão
de ir encaixando palavras umas depois das outras”


Nicolas Behr na infância - Foto: Acervo pessoal

“minha poesia é desculpa pra noite de autógrafos”

“minha poesia convence sem usar argumentos”

“minha poesia é carniça que urubu não come”

“minha poesia são poemas pastoris
onde as cabras cabram e os cabritos cabritam”

“minha poesia não busca a consagração
mas um bom prêmio em dinheiro ia bem”

“minha poesia acolhe as palavras excluídas”

“minha poesia acontece quando uma ansiedade
encontra uma técnica, disse a unha roída”

“minha poesia abre espaço na base da porrada”

“minha poesia pensou em tudo: inventou o leitor
idiota, o crítico analfabeto e o poeta besta”

“minha poesia e seu triste fim:
jurada de concurso de poesia, jurada de morte”

“minha poesia não é digna de lhe dirigir a palavra”

“minha poesia é o que há de comovente em ti”

“minha poesia só quer um pouco da sua atenção”

“minha poesia vive o que imagina. imagine você”

“minha poesia sai da página
como quem vai ao banheiro”

“minha poesia às vezes fezes, às vezes vozes”

“minha poesia chegou tarde: a porra do
modernismo já tinha destruído tudo”

“minha poesia quando pisa em folhas secas
de uma mangueira está homenageando
o grande poeta agenor de oliveira, o cartola”

“minha poesia aprecia nietzsche só
porque ele enlouqueceu e depois ficou bom”

“minha poesia pega no ar a bala
que ia em direção a john lennon”

“minha poesia puxa chacal pelo braço no
cruzamento e o salva do atropelamento”

“minha poesia não entrou pra antologia porque
não mereceu entrar pra antologia, essa é a verdade”

“minha poesia em breve vai recolher este livro”

“minha poesia finalmente se rende.
ok. você venceu, mediocridade”




Versos presentes no livro-poema Umbigo (LGE Editora, 2005), de Nicolas Behr, páginas 22 a 31.

Baixe o livro aqui

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Seleta: R.E.M.

Foto: Chris Bilheimer A “ Seleta: R.E.M. ” destaca as 110 músicas que mais gosto da banda norte-americana presentes em 15 álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Out of Time ”, “ Reveal ”, “ Automatic for the People ”, “ Up ” e “ Monster ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 15 álbuns participantes desta Seleta 01) Losing My Religion [Out of Time, 1991] 02) I'll Take the Rain [Reveal, 2001] 03) Daysleeper [Up, 1998] 04) Imitation of Life [Reveal, 2001] 05) Half a World Away [Out of Time, 1991] 06) Everybody Hurts [Automatic for the People, 1992] 07) Country Feedback [Out of Time, 1991] 08) Strange Currencies [Monster, 1994] 09) All the Way to Reno (You're Gonna Be a Star) [Reveal, 2001] 10) Bittersweet Me [New Adventures in Hi-Fi, 1996] 11) Texarkana [Out of Time, 1991] 12) The One I Love [Document, 1987] 13) So. Central Rain (I'm Sorry) [Reckoning, 1984] 14) Swan Swan H [Lifes Rich Pageant, 1986] 15) Drive [Automatic for the People, 1992]...

Dez passagens de Clarice Lispector no livro Laços de família

Clarice Lispector (foto daqui ) “A mãe dele estava nesse instante enrolando os cabelos em frente ao espelho do banheiro, e lembrou-se do que uma cozinheira lhe contara do tempo do orfanato. Não tendo boneca com que brincar, e a maternidade já pulsando terrível no coração das órfãs, as meninas sabidas haviam escondido da freira a morte de uma das garotas. Guardaram o cadáver no armário até a freira sair, e brincaram com a menina morta, deram-lhe banhos e comidinhas, puseram-na de castigo somente para depois poder beijá-la, consolando-a. Disso a mãe se lembrou no banheiro, e abaixou mãos pensas, cheias de grampos. E considerou a cruel necessidade de amar. Considerou a malignidade de nosso desejo de ser feliz. Considerou a ferocidade com que queremos brincar. E o número de vezes em que mataremos por amor. Então olhou para o filho esperto como se olhasse para um perigoso estranho. E teve horror da própria alma que, mais que seu corpo, havia engendrado aquele ser apto à vida e à felici...

Dez passagens de Jorge Amado no romance Capitães da Areia

Jorge Amado “[Sem-Pernas] queria alegria, uma mão que o acarinhasse, alguém que com muito amor o fizesse esquecer o defeito físico e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou semanas, mas para ele seriam sempre longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos homens que passavam, empurrado pelos guardas, surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera família. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava ‘meu padrinho’ e que o surrava. Fugiu logo que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, u’a mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de uma saleta. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas suas costas desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. Corria na saleta como um animal perseguido por outros mais fortes. A...