Nicolas Behr - Foto: Carlos Terrano
“minha poesia limpa a orelha do livro
e agora o livro escuta a minha poesia”
“minha poesia só cria porque tem alguém
trabalhando e preparando o almoço”
“minha poesia parte do princípio que é o fim”
“minha poesia é cultura popular
sem gente na praça”
“minha poesia isola o gen da inspiração e pisa nele”
“minha poesia tem a faca e o queijo na mão
mas lhe falta a vontade de comer o queijo”
“minha poesia cobra coerência e ainda dá o troco”
“minha poesia me decifra e quase me devora”
“minha poesia, apunhalada pelas costas, vira-se”
“minha poesia se mata todo dia e continua viva”
“minha poesia na dúvida não ultrapassa”
“minha poesia introduz a prática agrícola
na teoria literária e o poema produz tomates”
“minha poesia vai ao supermercado
e volta com sacolas cheias de sombras enlatadas”
“minha poesia analisa a interpretação do comentário”
“minha poesia estragou? o crítico dá um jeito”
“minha poesia é um telefone fora do gancho”
“minha poesia é água fria que você joga na cara”
“minha poesia fracassa, mas fracassa cada vez melhor”
“minha poesia morde a ponta do próprio rabo”
“minha poesia é a alegria de estar só”
“minha poesia é apenas uma simples questão
de ir encaixando palavras umas depois das outras”
Nicolas Behr na infância - Foto: Acervo pessoal
“minha poesia é desculpa pra noite de autógrafos”
“minha poesia convence sem usar argumentos”
“minha poesia é carniça que urubu não come”
“minha poesia são poemas pastoris
onde as cabras cabram e os cabritos cabritam”
“minha poesia não busca a consagração
mas um bom prêmio em dinheiro ia bem”
“minha poesia acolhe as palavras excluídas”
“minha poesia acontece quando uma ansiedade
encontra uma técnica, disse a unha roída”
“minha poesia abre espaço na base da porrada”
“minha poesia pensou em tudo: inventou o leitor
idiota, o crítico analfabeto e o poeta besta”
“minha poesia e seu triste fim:
jurada de concurso de poesia, jurada de morte”
“minha poesia não é digna de lhe dirigir a palavra”
“minha poesia é o que há de comovente em ti”
“minha poesia só quer um pouco da sua atenção”
“minha poesia vive o que imagina. imagine você”
“minha poesia sai da página
como quem vai ao banheiro”
“minha poesia às vezes fezes, às vezes vozes”
“minha poesia chegou tarde: a porra do
modernismo já tinha destruído tudo”
“minha poesia quando pisa em folhas secas
de uma mangueira está homenageando
o grande poeta agenor de oliveira, o cartola”
“minha poesia aprecia nietzsche só
porque ele enlouqueceu e depois ficou bom”
“minha poesia pega no ar a bala
que ia em direção a john lennon”
“minha poesia puxa chacal pelo braço no
cruzamento e o salva do atropelamento”
“minha poesia não entrou pra antologia porque
não mereceu entrar pra antologia, essa é a verdade”
“minha poesia em breve vai recolher este livro”
“minha poesia finalmente se rende.
ok. você venceu, mediocridade”
Versos presentes no livro-poema Umbigo (LGE Editora, 2005), de Nicolas Behr, páginas 22 a 31.
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