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Mayombe, de Pepetela — Parte 03

Pepetela
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad


"Eu não posso manipular os homens, respeito-os demasiado como indivíduos. Por isso, não posso pertencer a um aparelho"


"Não acredito numa série de coisas que se dizem ou se impõem em nome do marxismo. Sou pois um herético, um anarquista, um sem-Partido, um renegado, um intelectual pequeno-burguês... Uma coisa, por exemplo, que me põe doente é a facilidade com que vocês aplicam um rótulo a uma pessoa, só porque não tem exatamente a mesma opinião sobre um ou outro problema"


"Homens que trabalham há muito tempo juntos cada vez têm menos necessidade de falar, de comunicar, portanto de se defrontar. Cada um conhece o outro e os argumentos do outro, criou-se um compromisso tácito entre eles. A contestação desaparecerá, pois. Onde vai aparecer contestação? Os contestatários serão confundidos com os contrarrevolucionários, a burocracia será dona e senhora, com ela o conformismo, o trabalho ordenado mas sem paixão, a incapacidade de tudo se pôr em causa e reformular de novo"


"Afinal essa construção levará trinta ou cinquenta anos. Ao fim de cinco anos, o povo começará a dizer: mas esse tal socialismo não resolveu este problema e aquele. E será verdade, pois é impossível resolver tais problemas, num país atrasado, em cinco anos. E como reagirão vocês? O povo está a ser agitado por elementos contrarrevolucionários! O que também será verdade, pois qualquer regime cria os seus elementos de oposição, há que prender os cabecilhas, há que fazer atenção às manobras do imperialismo, há que reforçar a polícia secreta, etc., etc. O dramático é que vocês terão razão. Objetivamente, será necessário apertar-se a vigilância no interior do Partido, aumentar a disciplina, fazer limpezas. Objetivamente é assim. Mas essas limpezas servirão de pretexto para que homens ambiciosos misturem contrarrevolucionários com aqueles que criticam a sua ambição e os seus erros. Da vigilância necessária no seio do Partido passar-se-á ao ambiente policial dentro do Partido e toda a crítica será abafada no seu seio. O centralismo reforça-se, a democracia desaparece"


"Os homens serão prisioneiros das estruturas que terão criado. Todo organismo vivo tende a cristalizar, se é obrigado a fechar-se sobre si próprio, se o meio ambiente é hostil: a pele endurece e dá origem a picos defensivos, a coesão interna torna-se maior e, portanto, a comunicação interna diminui"


"O organismo vivo, verdadeiramente vivo, é aquele que é capaz de se negar para renascer de forma diferente, ou melhor, para dar origem a outro"


"Sou é contra o princípio de se dizer que um Partido dominado pelos intelectuais é dominado pelo proletariado. Porque não é verdade. É essa a primeira mentira, depois vêm as outras. Deve-se dizer que o Partido é dominado por intelectuais revolucionários, que procuram fazer uma política a favor do proletariado. Mas começa-se a mentir ao povo, o qual bem vê que não controla nada, o Partido nem o Estado, e é o princípio da desconfiança, à qual se sucederá a desmobilização"


"Um só homem excecional poderá mudar tudo? Então tudo repousará nele e cair-se-á no culto da personalidade, no endeusamento, que entra dentro da tradição dos povos subdesenvolvidos, religiosos tradicionalmente. O problema é esse. É que, nos nossos países, tudo repousa num núcleo restrito, porque há falta de quadros, por vezes num só homem. Como contestar no interior dum grupo restrito?"



Trechos presentes no romance "Mayombe" (Leya, 2013), de Pepetela.

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