Nelson Gonçalves
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad
"Um ouvinte não tem preço. No fundo, a nossa mais apaixonada utopia é encontrar alguém que nos ouça. Dirá o leitor que temos parentes, amigos, conhecidos, que podem recolher os nossos segredos. Ilusão. Não sei se repararam, mas o diálogo entre brasileiros é sempre fatalmente um monólogo. O sujeito só está interessado em falar. Não escuta uma palavra do que o outro diz. O interlocutor não existe. E se isso acontece com todo mundo, muito mais com os poderosos. Já sabemos que o poder é cego. Mas além de cego, é surdo, sobretudo surdo (...) sendo o que menos vê, o Presidente da República é o que menos ouve"
"Assim é o brasileiro: – um sujeito atormentado por culpas imaginárias"
"Perguntei a um psicanalista: – 'Isso quer dizer o quê?' O outro não responde imediatamente. Tirou um cigarro. Não tinha: fósforos. Acendi-lhe o cigarro. O psicanalista dá uma tragada, sopra a fumaça, mais uma tragada. Por fim, disse, profundíssimo: – 'Sei lá.'"
"Aquele que não acredita na ressurreição de Lázaro não deve tentar a medicina. E o cardiologista, sobretudo, que lida com a morte diretamente, que vê a morte cara a cara, o cardiologista, dizia eu, precisa admitir todas as possibilidades e esta: – o milagre"
"O Brasil está cheio de coisas que devem ser ditas"
"Tenho medo das pessoas que vivem de certezas. Sinto que o vizinho é dos tais que avançam, erguem a fronte, fingem um pigarro e declamam: – 'Dúvidas? Nunca as tenho!' A minha vontade é dizer-lhe: – 'Pois tenha!' Não sei como um espírito sem dúvidas não trata de providenciar e, em último caso, de inventar dúvidas urgentes e esplêndidas"
"A verdadeira grã-fina tem a aridez de três desertos"
"Como amar é dar razão a quem não a tem, o Lemos Bexiga dava sempre razão à mulher"
"Não se conhecia um defeito ou virtude em Osvaldinho que o distinguisse dos demais. Nunca vi ninguém mais parecido com todo mundo (...) Era o que se poderia chamar de homem comum. E como homem comum, tinha essa mediocridade de virtudes e defeitos que faz, por exemplo, o bom marido. Não seria jamais nem santo, nem demônio. E nós sabemos que a mulher não quer nem um, nem outro. Segundo me disse há poucos dias, uma prima do Palhares: – 'A mulher quer um homem que não seja nada'"
"Gilberto Freyre. Chamá-lo de sociólogo não basta. É, antes de tudo, o maravilhoso artista. Ora, bem sabemos que o artista vê tudo, sabe tudo. E mais: o artista tem a dimensão profética. Leiam o autor de Sobrados & mocambos. Em todos os seus textos está inserido o futuro. Assim é o artista: assim como dá presença e atualidade ao passado, dá presença e atualidade ao futuro"
"Na dedicatória, escreve o poeta nacional: – 'A Marques Rebelo – sem palavras – Carlos Drummond de Andrade.' Ao que eu saiba, poesia é uma arte de palavras. E se um poeta não as tem, poderemos talvez chamá-lo de antipoeta. Na melhor das hipóteses: – antipoeta. Felizmente, o bom Carlos estava usando apenas um truque de sua prudência mineira. Não queria elogiar o romancista e o conseguiu"
Trechos presentes no livro de crônicas "O reacionário – Memórias e confissões" (Agir, 2008), de Nelson Rodrigues.
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