Toni Ferreira (2013), de Toni Ferreira
01) Olha Só
02) Te Falo Amanhã
03) Saber de Uma Alma
04) Manjubá
05) Leve
06) Reflexo de Nós
07) Amor pra que Nasceu
08) Marca de Espinho (Palhaço que Eu Fui de Você)
09) Repousar
10) Paira
11) Menino Deus
12) Se Eu Vou
13) O Barco
Clique nos links acima para ouvir as faixas.
Playlist aqui (fora da ordem do CD)
Release disponível no site do cantor:
Entre a claridade e o breu
Toni Ferreira estreia em disco solo pela Universal Music
por Marcus Preto (maio de 2013)
Para começar a contar essa história, eu poderia dizer que Toni Ferreira é o melhor cantor de blues que ouvi por essas bandas nos últimos muitos anos. Cantor e compositor, aliás: foram escritas por ele, por exemplo, a letra e a música do blues "Reflexo de nós", a sexta faixa de "Toni Ferreira", esse seu álbum de estreia. Ela explica muita coisa.
Acontece que ele não é um cantor de blues. Não só isso. Toni Ferreira é um músico de espectro amplo, temperado pela noite, pelos clubes e bares em que tocou. Graças a essa estrada, seu som consegue dialogar com as mais diversas linguagens, com a música que reverbera em estados de espírito variados, extremos até. Ele sabe transitar entre a claridade e o breu.
Toni está nessa viagem há bastante tempo. Muito antes das primeiras gravações oficiais – em projetos coletivos como o "Sarau" (2012) ou em aparições especiais, como a que fez no "Multishow ao Vivo" (2010) da amiga Maria Gadú –, ele já frequentava ativamente o circuito de música do eixo Moema, Vila Mariana e Vila Madalena. Mas a relação com a música começou em casa. O primeiro professor nessa escola de ser artista foi o pai, que tocava em duas bandas. Uma de repertório autoral, a Bicho Preguiça. E outra em que fazia cover do Kiss. Toni conviveu com as duas situações.
Carregava os instrumentos e ajudava a montar o palco da banda cover metaleira. Mais do que isso, fazia a maquiagem no pai, copiando direitinho a "máscara" do baixista do Kiss: o rosto todo pintado de branco, os lábios e os olhos pretos, como duas aranhas gigantes. Dessa experiência veio o aprendizado cênico, a intimidade com o público e com o palco. Com a banda autoral paterna, entendeu um bocado do que era ser um músico. Exercitou isso. Passava as tardes e noites com os amigos mais próximos tirando, nota por nota, todo o repertório da Bicho Preguiça. Toni sempre gostou de cantar canções dos outros. No YouTube, há vídeos dele, ainda moleque, acompanhando-se ao violão em "Menino Deus", a bossa de Caetano Veloso que agora entra em seu primeiro álbum. Nesse espírito, o disco traz ainda versões de Toni para sambas lançados por Martinho da Vila ("Amor pra que nasceu", do LP "Martinho da Vila", de 1969) e Agepê ("Marca de espinho", de Mita e Carlos Barbosa, gravada no LP "Agepê", de 1979).
Também há no YouTube algumas das primeiras experiências de Toni Ferreira como compositor. Uma delas, divertidíssima, é a "sátira" (palavra do próprio Toni) "Perfeição", feita e executada em dobradinha com Maria Gadú. No vídeo, totalmente caseiro e despretensioso, os dois estão sentados na cama do quarto dele, Gadú ao violão. Hilário. E histórico. Maria Gadú foi muito importante nessa jornada, mesmo antes de ser grande o suficiente ao ponto de poder apresentar Toni aos muitos fãs dela. Estava por perto quando Toni comandava o Quinta Dissonante, uma espécie de sarau que foi abrigado em várias pequenas casas de São Paulo, como o Caravaggio, o hotel Cambridge e o Café Paon. Totalmente calcado em repertório autoral, aliás. "Paira" (Toni Ferreira) e "Manjubá" (Toni Ferreira, Camila Wittmann, Eduardo Pitta e Eduardo Luca) estavam sempre no set list. Gadú não canta, mas surge como compositora no álbum de estreia do amigo. Há anos, mostrou o rock "Te falo amanhã" para Toni. E ele ficou maluco. Pediu que ela não tocasse a canção para mais ninguém, que guardasse "para quando eu gravar meu disco". Ela obedeceu. Tem potencial de hit.
Àquela altura, nos tempos do Quinta Dissonante, sua turma já era Gadú, João Guarizo, Dani Black, Bárbara Rodrix, Tim Bernardes (da banda O Terno), Paulinho Novaes e outros amigos compositores que, das maneiras mais variadas, o acompanham até hoje.
João Guarizo (que também participou do projeto "Sarau") é o autor de duas faixas. Uma é a balada "Saber de uma alma", que já era velha conhecida de Toni dos tempos em que os dois integravam o quarteto Tribu, entre 2008 e 2009, e foi ensaiada por todos esses anos: na vida, nos bares e nas rodas de violão. Outra é mais nova, "Se eu vou", parceria de Guarizo com Luis Kiari, um dos nomes ligados aos Varandistas – grupo que se reunia na varanda da casa do cineasta Caio Sóh, na Barra, no Rio de Janeiro, para criar, compor e tocar.
Esse é outro capítulo importante na biografia de Toni. Em 2010, ele foi tentar a vida no Rio. Por meio de Gadú, conheceu todos os varandistas. E a turma que gravitava em volta deles. Motivado por esse clima criativo, Toni começou a compor com mais afinco. Fez parte da trilha sonora para "Teus olhos meus", primeiro longa de Caio Sóh. E até aparece numa ponta do filme, cantando "Paira" com seus parceiros Luis Kiari, Fred Sommer e Gugu Peixoto. Uma versão solitária dessa balada entra agora no álbum "Toni Ferreira".
Em 2011, Toni voltou a morar em São Paulo. Estava na cidade em que nasceu quando o produtor Clemente Magalhães o convidou para integrar o projeto "Sarau" (Universal Music), que unia em CD e DVD vários de seus amigos: os cariocas Gugu Peixoto, Aureo Gandur, Fred Sommer e Taís Alvarenga, o brasiliense Daniel Chaudon, e o também paulista João Guarizo. "O Barco" (Toni Ferreira, João Guarizo e Bianca Godoi), que ganhou nova mixagem e é agora incluída em "Toni Ferreira", fazia parte desse projeto. Toni também estava em São Paulo quando foi convidado a atuar em uma campanha da rede de telefonia Nextel estrelada por Maria Gadú e Milton Nascimento. Os comerciais ficaram seis meses no ar. E, nesse tempo, Toni viu o número de visualizações de seus vídeos começarem a subir abruptamente. Por essa via improvável, aumentava a curiosidade em torno do seu trabalho.
O processo de criação e gravação do álbum "Toni Ferreira" começou no final do ano passado. E a questão mais discutida nos primeiros momentos foi o nome do produtor musical. Quem seria a figura ideal para encontrar o som que Toni buscava? Quem seria capaz de ajudar a criar a moldura para a voz do cantor nesse primeiro trabalho individual? Ele queria que seu álbum soasse como "Cinema transcendental" (1979), de Caetano Veloso: minimalista, cheio de vazios, com poucos elementos. Muitas possibilidades foram cogitadas até que Andre Bourgeois, empresário de Toni (e também da cantora Céu), chegou com o álbum "Que isso fique entre nós", segundo trabalho do cantor e compositor paulista Pélico. Fecharam na hora. Pélico trouxe para o time outro produtor, Jesus Sanchez, responsável justamente por "Que isso fique entre nós". Fizeram o trabalho a quatro mãos. Pélico acabou por se tornar também um compositor em "Toni Ferreira". Logo nos primeiros dias de trabalho, chegou com "Repousar", composta especialmente para a voz de Toni. Também escreveu "Olha só", faixa que, em posição estratégica, abre o disco. E a posição é estratégica porque "Olha só" não é um blues. É fado, mas não é fado. É balada, mas também não é. Um iê-iê-iê estilizado? Sim e não. O que é "Olha só", então? É algo como uma janela. Uma cortina aberta para tudo, para o que vier. Como a linda voz de Toni Ferreira.
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