Joana Rizério
Foto: Lígia Rizério
"Amarraremos uma fitinha nas grades da Igreja do Bonfim vertendo lágrimas, mas não saberemos que um funcionário vai lá, a cada três meses, para tesourar os desejos de todo mundo e jogar no lixão de Canabrava."
"(...) até as surucucus reais, até a mais viril das anacondas (até aquele cara que nos bastidores apelidamos de 'madeirada luxo' – não por ser grande, mas por ser delicioso); até estes abençoados machos serão, um dia, graduados como teus parceiros de infortúnio. (...) Porque a pequenez é uma espécie de falecimento do pinto. E todo pinto um dia se vai, seja por idade, defeito ou pelo bater de botas do dono inteiro. O fim sempre espreita, implacável, como toda morte."
"(...) Posso ver daqui a água que trouxe Caramuru, a água que é de Yemanjá. (...) Nomes de nomes, como ladeira da água brusca, água de meninos, águas claras. Água por todo lado, água pingando da torneira de minha pia: água, que toda menina baiana é d'Oxum (...) em direção ao Rio Vermelho em que eu me perco, na praça da Piedade em que me resolvo, na noite da noite escura da avenida Contorno (...)"
"E todas brocham, completa e instantaneamente, quando alguém dá um certo conselho maroto, limpando um invisível veneno do canto da boca antes de dizer: – Mas ele tem o pau muuuuuito pequeno. (...) 'Parecia um lápis', diz chorosa a minha vizinha, que deu um baratino inacreditável: fugiu pela janela do banheiro do hotel (...)"
"Minha mãe (...) faz suas roupas, pães, geleias, mói o café na manivela, tem serra elétrica, furadeira de impacto e até broca de diamante. De suas mãos saíram minha cama, minha estante e minha linda mesa, defronte ao mar – para que eu pudesse, com todo o capricho, confeccionar esta carta. (...) Sob a asa dos meus pais vivo o êxtase de um afago eterno, uma lombra terrivelmente feminina (...)"
"(...) ainda bem que existe a internet, pra pôr fim à sanha obrigatória de papel e tinta que vocês ainda insistem em prensar todo dia, e que não passa de uma cara embalagem pra peixe, como o senhor sabe. (...) Se não for muito abuso, põe uma assinaturazinha do teu folhetim que chegue toda manhã na minha laje? É que aqui tem muita vidraça, e dizem que papel de jornal é uma beleza para limpar janela."
Presentes no livreto de crônicas "É pegar ou largar" (2015), de Joana Rizério, páginas 06, 12, 04, 10. 17 e 18-19, respectivamente.
Comentários