Pular para o conteúdo principal

A jornada do Orange Roots e o álbum Fluid

Foto: Karim Saafir | Arte: Max Fonseca

Orange Roots é o meu novo projeto musical, em sociedade com o cantor Jahgun e o artista visual Max Fonseca. Na parceria, sou o compositor e o diretor musical. O estilo é “psychedelic roots progressive reggae”, mas que pode ser resumido como “psy prog reggae” (reggae psicodélico progressivo).

O álbum de estreia, “Fluid”, com nove composições minhas em inglês, foi lançado pelo selo Surforeggae Sound System Brazil em 27 de setembro de 2019, e está disponível no Spotify, YouTube, entre outras plataformas. Escute aqui

No post de hoje, relato a jornada de criação, gravação e lançamento do Orange Roots, de 2015 a 2019.


Minha coleção de Bob Marley & The Wailers

ORIGEM

Sou fã de Bob Marley & The Wailers. É a minha banda predileta, entre todos os gêneros. Tenho uma coleção de discos e conheço todos os arranjos das músicas. E o reggae, junto ao rock, blues e forró, são os meus pilares (o reggae, o mais espiritual de todos). Porém, nunca tive oportunidade de desenvolver um trabalho roots.

Em 2015, sexta-feira, 06 de março, fui curtir “Three Little Birds”, o tributo a Bob Marley pela cantora Renata Bastos e banda, no Commons Studio Bar, Rio Vermelho, Salvador, Bahia. E rolou a mágica: a cozinha me transcendeu. A combinação do baixo de Fabrício Mota com a bateria de Iuri Carvalho fez vibrar um som de reggae mais impressionante que ouvira nos últimos tempos, ao vivo.


Átila (guitarra), Iuri (bateria) e Fabrício (baixo)
no tributo “Three Little Birds”

O jeito de tocar de Fabrício, “murmurado”, vibração pura, como se não houvesse dedo tocando cordas, e sim as cordas a ressoar num mantra. O ritmo “one drop” de Iuri, materializando o legado do mestre Carlton “Carly” Barrett (batera dos Wailers), reconfigurado numa pulsação legítima da Bahia, o lugar mais criativo que há nesse Brasil diverso, América do Sul & Latina. A união de dois músicos geniais soando como uma força de entidade, límpida, o coração da raiz, fundamento.

Pirei! Acabou o show, fui me apresentar a Iuri, que não conhecia. Chamei o amigo Fabrício (que chegou a tocar comigo em shows da The Orange Poem em 2005) e perguntei aos dois se havia alguma gravação deles tocando essa maravilha que presenciei. Não havia. Firmei o compromisso: “vou montar um trabalho só para registrar vocês dois”. E, por dentro: “vou gravar reggae!”

Com a cabeça fervilhando, não consegui dormir. Manhã de sábado, 07 de março de 2015, decidi: vou montar o Orange Roots (na época, coincidentemente, andava escutando muito Bunny Wailer e Burning Spear, montando seletas para o meu blog). Minha última banda havia sido The Orange Poem, de rock psicodélico progressivo. Pensei que uma proposta de fusão poderia ser interessante: experimentar a estética musical “Orange” da minha psicodelia progressiva de canções com temáticas rock & blues, letra e melodia, na pulsação rítmica “Roots” dos estilos de reggae mais transcendentais.


Átila grava o arranjo violoncelo da entrada de
My Heart is an Actor no seu home studio

SURGE O EP “FLUID”

No domingo, 08 de março, à tarde, revisitei as composições que não foram trabalhadas pela The Orange Poem e pelo grupo folk Sad Child (em 2006, com Glauber “Moskabilly” Guimarães, Rodrigo “John” Pinheiro & cia), e as transformei em reggae, formando um repertório. Deste, pré-selecionei quatro para gravar um EP, que chamei de “Fluid” (talvez por querer que esse som fluísse para as pessoas).

Como nunca havia produzido um álbum de reggae antes (apenas a minha composição “Cirurgia”, com a banda Pedradura; metade dela é reggae, com naipe de metais), preferi procurar um profissional com experiência estética e musical nesse gênero, para dividir a produção do EP comigo. E o tributo de Renata Bastos me veio à mente: convide o guitarrista da banda, um especialista em reggae, além de criativo produtor e multi-instrumentista que possui um home studio e preços acessíveis. Assim, na segunda, 09 de março, no estúdio de Átila Santtana no Rio Vermelho, acertamos a gravação do EP “Fluid”.


Eu, Fabrício e Átila em 19/03/15,
primeira sessão de Fluid

A GRAVAÇÃO COMEÇA

Em 19 de março de 2015, apresentei (voz e violão) o repertório para Átila, e as faixas selecionadas por nós para compor o EP foram: “Flowers to the Sun”, “My Heart is an Actor” (duas que selecionara em 08/03), “Someday I’ll Escape” e “Warmth of an Iceberg”. Como eu não cantava mais desde 2008, sugeri Giovani Cidreira para o vocal, Átila indicou Camilo Aggio — cheguei a sondá-lo, mas ele não topou.

Entre março e abril, realizamos quatro sessões de pré-produção, em que definimos as bases e os arranjos (com o baixista Fabrício também), e passamos para o baterista escutar. A gravação da bateria de Iuri aconteceu no sábado, 25 de abril de 2015, de tarde à noite. A técnica, o nível de profissionalismo “take one” (sem erros), a criatividade nos arranjos e a camaradagem/disposição de Iuri me impressionaram. Foi uma sessão excelente, muito divertida, com a presença de Fabrício para conduzir o groove, e a produção afinada de Átila, como um maestro. O grande baterista Jorge Dubman ainda apareceu para a resenha (ele, Fabrício e Átila capitaneavam a incrível banda IFÁ Afrobeat).


Eu, Fabrício, Iuri e Átila em 25/04/15
Foto: Jorge Dubman

Daí, entre maio e agosto, produzimos a gravação de novos arranjos de Fabrício e das guitarras & demais instrumentos por Átila (gravei violão e guitarra reverso em “Someday I’ll Escape”, e guitarra reverso numa parte de “Warmth of an Iceberg” — nesta, o convidado Matias Traut gravou o seu trombone em 18/08), totalizando 19 sessões no seu home studio. Confira alguns registros amadores desse processo:















Embora desejasse muito formar a banda Orange Roots, infelizmente não foi possível. Iuri, Fabrício e Átila não toparam ser sócios — mas me ajudaram bastante na criação dos arranjos e na gravação, com empenho e boa vontade. Passei, então, a lidar com o trabalho como um projeto; por enquanto, só meu. À busca de um vocalista.


Jahgun - foto daqui

RAFAEL INDICA JAHGUN

Enquanto a gravação do EP “Fluid” acontecia, eu curtia o “Three Little Birds” nas noites do Rio Vermelho, no Commons Studio Bar. No tributo de 22 de maio de 2015, reencontrei o amigo Rafael Costa, produtor e empresário do Surforeggae, responsável por trazer diversas atrações internacionais de relevância para tocarem no Brasil. “Por que você não faz o caminho inverso, leva artistas nossos para o exterior?” Ele me falou da barreira do idioma português, que dificulta para os contratantes gringos. “Então, tenho um trabalho em inglês para você poder vender”.

Fiz a proposta do Orange Roots para Rafael, que ficou de avaliar. Mantivemos contato durante os meses. Ele não quis acompanhar a gravação nem ouviu qualquer prévia do som, mas resolveu o meu problema do vocalista: na terça, 09 de junho, via WhatsApp, indicou o cantor e compositor baiano Fábio Assis, conhecido como Jahgun, radicado em Los Angeles há muitos anos, que o procurava para tentar algo no Brasil para a sua carreira. Além disso, fez a ponte para que eu acertasse o Orange Roots com Jahgun.

Avaliei o cantor pelo clipe de “Bless Bless Bless”, recém-lançado na época (veja aqui), e o aprovei. Gostei muito do seu timbre, que era exatamente o que eu queria: melody. Alguém que cantasse reggae com veludo, suavidade, de forma melodiosa, clássica. Pesquisei mais, e verifiquei que ele era versátil: também fazia o ragga, estilo dominante no momento.


Jahgun - foto Karim Saafir

JAHGUN NO ORANGE ROOTS

Na noite da quarta, 26 de agosto de 2015, via Skype, fiz a primeira reunião com Jahgun (ele, direto de Los Angeles, EUA; eu, na América Latina). Interessado em novos trabalhos, principalmente na sua terra natal (nascido e criado na Capelinha, Salvador, Bahia), topou ouvir as músicas e, nessa mesma noite, elogiou o som.

No sábado, 29/08, via WhatsApp, confirmou a gravação da voz no EP “Fluid” para o final de setembro, investindo o seu tempo e as passagens aéreas para o Brasil (e ainda não cobrou cachê para gravar). Fiquei surpreso com a rapidez e a vontade de gravar. Senti que era um excelente presságio.


Eu, Jahgun, Átila e Tadeu em 28/09/15

GRAVAÇÃO NO CASA DAS MÁQUINAS

Na segunda, 28 de setembro de 2015, das 15h às 20h, rolou a 1ª sessão de gravação da voz do EP “Fluid”, no estúdio Casa das Máquinas, de Tadeu Mascarenhas, no bairro do Rio Vermelho (assim como o home studio de Átila e o Commons). Optei por gravar com Tadeu para receber Jahgun com mais conforto — sentia também necessidade de levar esse trabalho para a casa que registrou todos os meus trabalhos na banda The Orange Poem.

Jahgun mandou ver em “My Heart is an Actor”, a única que ensaiou plenamente. Teve algumas dificuldades para fazer “Warmth of an Iceberg” (e sacou da cartola um improviso a la Jacob Miller), mas conseguimos acertar tudo, ele sempre disposto, profissional ao extremo, um grande talento com zero estrelismo.


Jahgun grava “Someday I'll Escape”

Na manhã da terça 29/09, fui até o prédio onde Jahgun tem um apartamento em Salvador, no final (ou começo) do Rio Vermelho (engraçado que o condomínio leva Ondina no nome; mesmo lugar onde morava Uzêda, o meu professor de produção cultural). No playground, ensaiamos bastante “Flowers to the Sun” e “Someday I'll Escape”, que foram gravadas com excelência no dia seguinte, 30 de setembro, das 10h às 13h e 14h às 17h, encerrando a sua participação. Após rever a sua família em Salvador, Jahgun seguiu para fazer shows no Maranhão e voltou para Los Angeles.

Eu e Átila ficamos satisfeitos com o resultado, muito além do que esperávamos. Jahgun impressionou a todos com a potência e a versatilidade da sua voz, e a humildade de gravar pelo certo, garantir o melhor resultado. A minha única bronca foi em “Warmth of Iceberg”. Não curti a transformação que fizemos da rock progressiva para reggae na 1ª parte da música. Resolvi rapidamente, sem pestanejar: transformei-a em “Doll Kid”, uma dub bônus track do EP.


Eu e Tadeu com a master do EP “Fluid”

EP “FLUID” PRONTO!

Aproveitando que estava de volta ao Casa das Máquinas, sugeri incluir o trabalho musical de Tadeu Mascarenhas no Orange Roots, assim como foi com a The Orange Poem em 2014. Ele topou, sempre disposto.

Em outubro, Tadeu gravou as suas teclas (sanfona e escaleta também) em três músicas (e na bônus track também). Átila acrescentou uma guitarra base em “Someday I’ll Escape”. Confira alguns registros amadores dessa parte do processo:












Em novembro, Tadeu mixou e masterizou o EP “Fluid”, totalizando 10 sessões no Casa das Máquinas. Finalizamos o trabalho na sexta, 06 de novembro de 2015, totalmente custeado por mim.


Eu, Jahgun, Max e Rafael
Sócios Orange Roots (2015-2016)

SOCIEDADE ORANGE ROOTS

Voltei a procurar Rafael Costa. Na tarde de terça, 10 de novembro de 2015, fui até a sua casa, nos limites de Salvador, para mostrá-lo o EP “Fluid” e fazer a proposta de sociedade no Orange Roots. Ele ouviu, aprovou o som e topou. Concordamos em convidar Jahgun para ser sócio também (seria “a cara” da banda).

Na quarta 11/11, reunião no meu apê da Pituba com Rafael e Jahgun via Skype, que topou a proposta também. Insisti que precisávamos da quarta cabeça, que seria responsável pelo visual do projeto, inspirado na fórmula de sucesso de Filipe Cartaxo no BaianaSystem. Fiquei de pesquisar quem seria.

Na noite de segunda, 23 de novembro de 2015, via celular, resolvi convidar o fotógrafo e artista plástico Max Fonseca para a sociedade Orange Roots. Gostava muito do seu trabalho artístico com inspiração africana e admirava as suas fotos com um olhar de valorização da cultura afro. Ele se interessou pelo convite, ficou de pensar. Na tarde de sexta, 27 de novembro, numa reunião no apê em que morava, no coração da orla do Rio Vermelho, com Rafael via Skype, Max ouviu o EP “Fluid”, curtiu o som e topou a proposta.

Orange Roots 100% formado: Emmanuel Mirdad (compositor e diretor musical), Jahgun (intérprete, imagem do projeto e relação com a imprensa e público), Max Fonseca (programador visual e diretor artístico) e Rafael Costa (empresário e produtor executivo).


1ª foto promocional do Orange Roots
Arte: Max Fonseca

PARA FLUIR O EP “FLUID”

No final de 2015, aprovamos a paleta de cores e o tema afrofuturista de Max para guiar a programação visual e o figurino. Definimos que ele e Jahgun (na época, o cantor topou se apresentar como Jagun-Labi no Orange Roots, para diferenciar do seu trabalho solo; voltaria a assinar como Jahgun no projeto apenas em 2019) iriam trabalhar na concepção do visual, para que no começo de 2016, Rafael pudesse apresentar o trabalho para contatos internacionais.

Em fevereiro de 2016, Jahgun fez uma sessão de fotos em Los Angeles, a partir de recomendações de Max, que selecionou quatro delas e inseriu a sua criação gráfica, a linguagem afrofuturista do Orange Roots. Max também criou a capa do EP “Fluid” (era outra), a marca do projeto e o hotsite. Ficamos muito satisfeitos com o trabalho refinado do sócio artístico. Criamos o release, subimos o EP no SoundCloud (sem divulgação) e, com esse material, Rafael buscou os parceiros gringos a partir de março, tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos.


Outra promo Orange Roots em 2016
Arte: Max Fonseca

“FLUID”, DE EP A ÁLBUM

Em meados de abril, Jahgun me avisou que viria ao Brasil no mês seguinte (algo lhe dizia para passar o Dia das Mães com a sua amada Dona Sônia), e decidimos aproveitar a oportunidade para montar e fazer um show Orange Roots com a banda que gravou o EP “Fluid”.

Na quarta, 20 de abril de 2016, decidi não mais montar um show, e sim gravar mais quatro ou cinco músicas para que o EP “Fluid” pudesse se tornar um álbum (me incomodava não ter um trabalho mais completo, que representasse mais a proposta). Jahgun topou a mudança de planos para uma nova gravação.

Voltei ao meu acervo de composições, fiz a transição de rock/folk/blues para reggae, testei e selecionei as músicas “My Impossible Wife”, “A Reflex, A Nightmare”, “Deep”, “Small & Dangerous” e “Mirror”. Como iria investir na gravação do mesmo jeito que em 2015, toquei o processo sozinho.


Fabrício, Átila, eu e Iuri em 03/05/16

DE VOLTA AO HOME STUDIO

Convoquei o mesmo time estrelado de músicos do EP. E acertei a co-produção de Átila. Na quarta, 27 de abril de 2016, começamos a pré das músicas no seu home studio (porém, dessa vez, a gravação seria [quase] toda no Casa das Máquinas). Em duas sessões, criamos os arranjos e as bases guia, e eu comecei a pagar pelo serviço de Átila.

Na terça, 03 de maio de 2016, Fabrício e Iuri de volta aos registros Orange Roots. Mais uma vez, cobraram um cachê super em conta, para que eu pudesse viabilizar o processo. Numa longa sessão, das 14h30 às 22h30, com pausa regada à pizza boa e barata, a cozinha mágica criou os seus arranjos e gravaram as bases guia para quatro músicas, com a produção minha e de Átila. “Mirror” foi preterida; talvez fosse gravada numa possível versão voz, violão e percussão, no estilo nyabinghi — ficou para depois.


Nota sobre a gravação do Orange Roots
no jornal Correio de 05/05/16

“CADÊ O HIT?”

Eu estava empolgado com a volta das gravações Orange Roots, mesmo com o primeiro balde de água fria, recebido em 29/04: o contato norte-americano de Rafael não se empolgou com o EP “Fluid” e perguntou “cadê o hit?”.

Na sequência, a jornalista Verena Paranhos divulgou uma nota no jornal Correio de 05 de maio de 2016, sobre a vinda de Jahgun a Salvador para gravar o álbum do Orange Roots. Eu que cedi essa informação à jornalista, sem consultar os sócios. Vacilo total. Para piorar, a foto publicada nem era oficial do projeto. Azedou o clima (com razão) na administração do Orange Roots.

Para agravar mais ainda, na terça 10/05, outro balde gelado: Rafael avisou que o contato francês não se interessou pelo EP “Fluid”, dizendo que as cinco faixas não deram para ele uma dimensão do que se trata o trabalho (o meu incômodo tinha razão) e, assim como o americano, também não identificou nenhum hit.


Tadeu, Átila, Jahgun e eu em 16/05/16

DE VOLTA AO CASA DAS MÁQUINAS

Mesmo com esse contexto desfavorável, depois de dois ensaios com Jahgun (09 e 11/05) no mesmo playground de 2015 (em que mudei o tom de “Deep” de sol para ré, melhor para voz do sócio), a gravação começou no Casa das Máquinas, quinta, 12 de maio de 2016, custeada por mim. Manhã, tarde e começo da noite, em sete horas de estúdio (com pausa para almoço na Confraria do França, o delicioso arroz de polvo, com vista para o mar do Rio Vermelho), gravamos a bateria de Iuri Carvalho e o baixo de Fabrício Mota em “My Impossible Wife”, “Deep”, “A Reflex, A Nightmare” e “Small & Dangerous”, com a presença dos sócios Jahgun e Max (chegou à tarde, gravou vídeos e fez fotos).

Na tarde & começo da noite de uma sexta-feira 13, maio de 2016, Jahgun gravou a sua voz em “My Impossible Wife” e “Deep”, em quatro horas de estúdio, registrado em foto e vídeo por Max. Na segunda, 16 de maio, sete horas de estúdio (manhã, pausa para almoço, tarde & começo da noite) para Jahgun gravar “A Reflex, A Nightmare” e “Small & Dangerous”. Confira alguns registros amadores dessa parte do processo:







O resultado, mais uma vez, impressionou a todos no estúdio. Que talento e versatilidade, Jahgun! E que doideira foi para ele cantar músicas que não compôs e que não teve tempo hábil para ensaiar. Criar os improvisos da parte dub de “A Reflex, A Nightmare” e da ragga de “Deep” assim, no flow. Sorte que conseguimos ter uma sintonia produtiva, e eu pude orientá-lo com as melodias e as intenções.

Quinze dias de uma pausa solicitada por Átila, o mês de junho chegou, e concluímos a gravação em 11 sessões (duas no home studio e nove no Casa das Máquinas), com registro das teclas de Tadeu Mascarenhas, das guitarras de Átila, dos backing vocais de Nancy Viégas em “Deep” e do meu violão em “A Reflex, A Nightmare”. Confira alguns registros amadores dessa parte do processo:















Enquanto o álbum era finalizado, Jahgun passava pela grande dor da sua vida.


Dona Sônia, mãe de Jahgun

A GRANDE DOR DE JAHGUN

A mãe de Jahgun, Dona Sônia, teve um infarto no dia 13/06, ficou internada e veio a falecer na madrugada da quarta, 28 de junho de 2016. O pior: ele não conseguiu chegar a tempo de encontrá-la viva.

Na terça, 05 de julho, 1ª sessão de mix por Tadeu no Casa das Máquinas, Jahgun nos contou da terrível experiência, e celebrou o fato do Orange Roots tê-lo incentivado a viajar para o Brasil (ajudou a embarcá-lo na sugestão da sua voz interior), quando passou o Dia das Mães com a sua Rosa Negra (ouça aqui a canção do filho em homenagem a Dona Sônia). Ele deu uma espairecida no Maranhão, fez show e voltou para os Estados Unidos.


Eu e Tadeu com a master completa de “Fluid”

ÁLBUM “FLUID” PRONTO!

Nessa mesma data de 05/07, depois de ser preterida várias vezes, retirei “Mirror” do repertório, por interpretar que esses desencontros eram um aviso do astral para que não a gravassem como um nyabinghi.

E a mixagem continuou por mais três sessões (destaque para a sessão 06/07, em que eu e Tadeu adubamos “A Reflex, A Nightmare”); a última, na terça, 12 de julho de 2016, em que finalizamos o agora álbum “Fluid”, totalmente custeado por mim, com a seguinte ordem das músicas: “My Impossible Wife”, “A Reflex, A Nightmare”, “Small & Dangerous”, “My Heart is an Actor”, “Deep”, “Warmth of an Iceberg”, “Flowers to the Sun”, “Doll Kid” e “Someday I’ll Escape”.


Mais uma promo Orange Roots em 2016
Arte: Max Fonseca

RAFAEL DESISTIU

Na quarta, 25 de julho de 2016, os sócios se reuniram (pela última vez como quatro). Definimos os próximos passos: finalizar o encarte do álbum, produzir um press-kit e um clipe. Fiquei de pensar com Max o clipe de “My Impossible Wife”.

Depois daí, Rafael se distanciou (assim como em 2015, ele não foi a nenhuma sessão de gravação em 2016), muito provavelmente pelo fracasso na recepção dos parceiros gringos (o motivo pelo qual foi convidado e aceitou o projeto: promover o Orange Roots no exterior). Os seus diversos outros trabalhos se tornaram prioritários.


Foto (aqui em baixa resolução) de Max
que fazia parte do encarte em 2016

2016, GAVETA

Eu, Jahgun e Max percebemos isso, e passamos a tocar o projeto sem Rafael. Em agosto, debatemos o encarte produzido por Max, e tivemos a ideia de filmar o clipe de “My Impossible Wife” num mangue. Começava aí a saga “audiovisual” para o projeto Orange Roots, compreendido então como uma banda de imagem muito mais do que de show (priorizamos gravar vídeos do que lançar o álbum).

Em setembro, definimos a locação: Moreré. Começamos a planejar a gravação de guerrilha (Jahgun teria de investir a grana, porque eu tava zerado; Max filmaria e editaria) para dezembro — Jahgun viria à Bahia nessa época.

Não veio. Orange Roots foi para a gaveta.


Eu, Jahgun e o jamaicano Dillgin
em junho de 2017

2017/2018, GAVETA

2017. Desacertos dos sócios, Jahgun na Bahia em junho, e não conseguimos combinar a gravação do clipe — Max estava distante. Eu e o cantor chegamos a cogitar que “Fluid” se tornasse o álbum “Orange Roots”, e fosse lançado como novo trabalho da carreira solo dele. Não aconteceu. Nós, a tocar os nossos diversos trabalhos, e o Orange Roots na gaveta.

2018. Oito de abril. Via WhatsApp, Jahgun me convocou para ressuscitar o projeto. Discutimos planos de como botar no mundo. Consideramos que, assim como Rafael, Max havia se desinteressado do Orange Roots (nunca mais havia feito qualquer contato). Então, o acerto foi Jahgun gravar, por conta própria, o clipe de “My Heart is an Actor” no Havaí. Não aconteceu.

Novembro de 2018. Mais uma vez, Jahgun me convocou. Retomamos a ideia de gravar o clipe de “My Heart is an Actor”, só que, dessa vez, nas praias da Bahia. Fiquei de arrumar um parceiro audiovisual (Max havia se mudado para a Suíça para estudar Design). Porém, dezembro chegou, e Jahgun não veio ao Brasil. Mais gaveta.


Foto: Karim Saafir | Arte: Max Fonseca

RETOMADA

Terça, 28 de maio de 2019, mandei parabéns para Jahgun via WhatsApp. O presente: resolvemos retomar o Orange Roots. Com uma abordagem diferente dos últimos anos, sugeri lançar “Fluid” pelo selo de Rafael, o Surforeggae Sound System Brazil, ao invés de insistir em gravar videoclipe. Jahgun topou, e se colocou à disposição de lançar por conta própria, caso Rafael não se interessasse.

Na segunda, 03 de junho, via WhatsApp também, me reuni com o empresário (estava na França; e eu sempre em Salvador, Brasil), e ele topou lançar o álbum, camarada como antes (nem falamos sobre a sociedade ou distrato; era algo já ultrapassado nem valia retomar). Fiquei de resolver as pendências.

Na quarta, 06 de junho, conexão Salvador-Suíça via zap, me reuni com Max; conversamos sobre os erros e acertamos a retomada da sociedade. Sugeri que a capa original havia travado o processo, por conter uma representação de divindade que não pedimos autorização para utilizar. Max compreendeu a mensagem e ficou de refazer a capa e a nova linha gráfica (incluindo novas fotos de divulgação).


Foto: Karim Saafir | Arte: Max Fonseca

NOVA PROPOSTA VISUAL

O artista voltou com força total. Rapidamente enviou as primeiras referências para o novo visual (água, fluidez, útero). Max conceituou: “Água tem boas analogias simbólicas, de nascimento, de purificação, de vida. Porém, tem um líquido que acompanha o que a gente já tinha criado como paleta de cor, que é a lava. Um líquido, que é líquido no limite... É um líquido roots, pastoso, mas que flui também, um ‘líquido’ que vira pedra. Um líquido luminoso. Natural. Quente, como o ‘Orange’ que é uma cor quente. Tava viajando aqui em pegar a lava, o magma, como analogia para o fluido Orange. Pegar esse elemento que é forte, potente, transformador e que nos recorda que até elementos sólidos podem liquidificar e fluir.”

No Dia do Rock de 2019, conexão Suíça-EUA, Max orientou Jahgun sobre as fotos e enviou um arquivo com a concepção fotográfica. No dia seguinte, 14/07, o fotógrafo norte-americano Karim Saafir fez as fotos de Jahgun numa cachoeira em Los Angeles (sugerida pelo cantor), de acordo com as orientações de Max.


Capa final de “Fluid”
Foto: Karim Saafir | Arte: Max Fonseca

“FLUID” FLUIU!

Segunda, 22 de julho de 2019, Max compartilhou conosco as novas fotos de divulgação (já com o seu trabalho artístico inserido nas imagens) e a nova capa do álbum “Fluid”: “(...) Tentei deixar mais elegante com uma tipografia sem serifa, com bastante espaço entre as letras deixando elas leves e arejadas. A forma representa um ventre (roots), com Jahgun que dorme em gestação no líquido amniótico. ‘Fluid’ é já fora, parido, após essa longa gestação, escrito em minúsculo, delicado e despretensioso, mas igualmente vivo e potente (como um recém-nascido)”.

Aprovamos com louvor. Max criou o Instagram, o hotsite e o drive do Orange Roots (depois, criaria também a fanpage). Na terça 23/07, fizemos uma reunião via WhatsApp: escolhemos as seis fotos para imprensa (o trabalho de Max na edição com arte Orange Roots foi muito celebrado!) e acordamos a nova e definitiva ordem das músicas no álbum “Fluid” (principal mudança: “My Heart is an Actor” de volta à faixa de abertura e single).

Uma semana depois, 30/07, fiz o upload de todo o material no drive e enviei para Rafael. Seguimos nas tramitações contratuais e planejamento do lançamento em agosto e setembro, até que, na sexta, 27 de setembro de 2019, “Fluid” fluiu para o mundo nas plataformas Spotify e diversas outras, pelo selo Surforeggae Sound System Brazil.

Ê, jornada! Faya, Orange Roots!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dez passagens de Clarice Lispector nas cartas dos anos 1950 (parte 1)

Clarice Lispector (foto daqui ) “O outono aqui está muito bonito e o frio já está chegando. Parei uns tempos de trabalhar no livro [‘A maçã no escuro’] mas um dia desses recomeçarei. Tenho a impressão penosa de que me repito em cada livro com a obstinação de quem bate na mesma porta que não quer se abrir. Aliás minha impressão é mais geral ainda: tenho a impressão de que falo muito e que digo sempre as mesmas coisas, com o que eu devo chatear muito os ouvintes que por gentileza e carinho aguentam...” “Alô Fernando [Sabino], estou escrevendo pra você mas também não tenho nada o que dizer. Acho que é assim que pouco a pouco os velhos honestos terminam por não dizer nada. Mas o engraçado é que não tendo absolutamente nada o que dizer, dá uma vontade enorme de dizer. O quê? (...) E assim é que, por não ter absolutamente nada o que dizer, até livro já escrevi, e você também. Até que a dignidade do silêncio venha, o que é frase muito bonitinha e me emociona civicamente.”  “(...) O dinheiro s

Oito passagens de Conceição Evaristo no livro de contos Olhos d'água

Conceição Evaristo (Foto: Mariana Evaristo) "Tentando se equilibrar sobre a dor e o susto, Salinda contemplou-se no espelho. Sabia que ali encontraria a sua igual, bastava o gesto contemplativo de si mesma. E no lugar da sua face, viu a da outra. Do outro lado, como se verdade fosse, o nítido rosto da amiga surgiu para afirmar a força de um amor entre duas iguais. Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras e com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça. Ambas aves fêmeas, ousadas mergulhadoras na própria profundeza. E a cada vez que uma mergulhava na outra, o suave encontro de suas fendas-mulheres engravidava as duas de prazer. E o que parecia pouco, muito se tornava. O que finito era, se eternizava. E um leve e fugaz beijo na face, sombra rasurada de uma asa amarela de borboleta, se tornava uma certeza, uma presença incrustada nos poros da pele e da memória." "Tantos foram os amores na vida de Luamanda, que sempre um chamava mais um. Aconteceu também a paixão

Dez poemas de Carlos Drummond de Andrade no livro A rosa do povo

Consolo na praia Carlos Drummond de Andrade Vamos, não chores... A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis casa, navio, terra. Mas tens um cão. Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour ? A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado, devias precipitar-te — de vez — nas águas. Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho. -------- Desfile Carlos Drummond de Andrade O rosto no travesseiro, escuto o tempo fluindo no mais completo silêncio. Como remédio entornado em camisa de doente; como dedo na penugem de braço de namorada; como vento no cabelo, fluindo: fiquei mais moço. Já não tenho cicatriz. Vejo-me noutra cidade. Sem mar nem derivativo, o corpo era bem pequeno para tanta