Clarice Lispector
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad
"Se é verdade que existe uma reencarnação, a vida que levo agora não é propriamente minha: uma alma me foi dada ao corpo. Eu quero renascer sempre. E na próxima encarnação vou ler meus livros como uma leitora comum e interessada, e não saberei que nesta encarnação fui eu que os escrevi"
"É inútil esquivar-se: há o silêncio. Mesmo o sofrimento pior, o da amizade perdida, é apenas fuga. Pois se no começo o silêncio parece aguardar uma resposta – como ardemos por ser chamados e responder! – cedo se descobre que de ti ele nada exige, talvez apenas o teu silêncio. Quantas horas se perdem na escuridão supondo que o silêncio te julga – como esperamos em vão por ser julgados pelo Deus. Surgem as justificações, trágicas justificações forjadas, humildes desculpas até à indignidade. Tão suave é para o ser humano enfim mostrar sua indignidade e ser perdoado com a justificativa de que se é um ser humano humilhado de nascença. Até que se descobre – nem a tua indignidade ele quer. Ele é o silêncio"
"Seu corpo se consola com sua própria exiguidade em relação à vastidão do mar porque é a exiguidade do corpo que o permite manter-se quente e é essa exiguidade que o torna pobre e livre de gente, com sua parte de liberdade de cão nas areias (...) Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Ela está sozinha (...) Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar. Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer"
"Tudo o que dá certo é normal. O estranho é a luta que se é obrigado a travar para obter o que simplesmente seria o normal"
"O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe. Nesse estado, além da tranquila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez (...) de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Não perguntem o quê, porque só posso responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se"
"Sou tão misteriosa que não me entendo"
"Perfumar-se é uma sabedoria instintiva. E como toda arte, exige algum conhecimento de si própria. Uso um perfume cujo nome não digo: é meu, sou eu. Duas amigas já me perguntaram o nome, eu disse, elas compraram. E deram-me de volta: simplesmente não eram elas. Não digo o nome também por segredo: é bom perfumar-se em segredo"
"Guimarães Rosa disse que, quando não estava se sentindo bem em matéria de depressão, relia trechos do que já havia escrito (...) Ele estava falando com o nosso grupo coisas que eu não entendia e não sei repetir. Então eu disse: adoro ouvir coisas que dão a medida de minha ignorância (...) Guimarães Rosa então me disse uma coisa que jamais esquecerei, tão feliz me senti na hora: disse que me lia, 'não para a literatura, mas para a vida'. Citou de cor frases e frases minhas e eu não reconheci nenhuma"
"Lembro-me com saudade da dor de escrever livros"
"O que me salvaria dessa impressão de fartura – é fartura ou uma liberdade de que está sendo inútil? – seria a raiva (...) a raiva simples e violenta. Quanto mais violenta, melhor. Raiva dos que não sabem de nada. Raiva também dos inteligentes do tipo que dizem coisas (...) Raiva da afinidade que sinto com algumas pessoas, como se já não houvesse fartura de mim em mim. E raiva do sucesso? O sucesso é uma gafe (...) A raiva me tem salvo a vida (...) Porque a raiva me envivece toda: nunca me senti tão alerta"
"Escrever para um jornal é uma grande experiência que agora renovo, e ser jornalista, como fui e como sou hoje, é uma grande profissão. O contato com o outro ser através da palavra escrita é uma glória (...) Eu amo quem tem paciência de esperar por mim e pela minha voz que sai através da palavra escrita. Sinto-me de repente tão responsável. Porque se sempre eu soube usar a palavra – embora às vezes gaguejando – então sou uma criminosa se não disser, mesmo de um modo sem jeito, o que quereis ouvir de mim"
Trechos presentes no livro de crônicas "A descoberta do mundo" (Rocco, 2008), de Clarice Lispector.
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