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A jornada para escrever o romance oroboro baobá — Parte I (2012-2013)


oroboro baobá” é o meu primeiro romance. Escrevê-lo foi um laboratório, um curso, um aprendizado. No post de hoje, a 1ª parte da jornada de criação do “oroboro baobá”, com o relato do que aconteceu em 2012 e 2013: o esboço do goleiro que não toma gol; as origens do interesse por futebol; presentes de Darino Sena, Aurélio Schommer e Carlos Henrique Schroeder; inspiração nas feições do ator Djimon Houson e nos goleiros Dida e Barbosa; duas opções para a capa [muro no estádio e tela de Nelson Magalhães Filho]; o começo da escrita; Porto Seguro, Caraíva & o romance “road trip”; caricatura de Minêu; o xodó “baba na aldeia”; ofereço o romance para Tabajara Ruas escrever; a realidade me informa como funciona o meio editorial; 1ª parte do romance “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol” pronta; e muito mais.

Trecho do 1º esboço do romance

MURALHA

17 de julho de 2012, terça-feira. Estou no apê 703-B da Pituba, em Salvador, Bahia, onde moro desde 1992. Começo a esboçar, papel e caneta, o esqueleto de argumento para uma ideia que vinha me futucando: a saga de um goleiro negro, que não toma gol, do amador ao estrelato internacional — não saber a data exata, ou período aproximado, de quando tive a bendita da ideia me deixa muito puto, Murphy a sacanear a minha psicótica mania de registrar tudo.

Decido que será um romance, embora só tenha publicado, pela editora baiana Via Litterarum, um livro de contos em 2010, “Abrupta sede”, com nenhuma repercussão [hoje superado por “O limbo do clichês imperdoáveis”, com todos os contos]. Pesquiso, no são Google, alcunhas de goleiros e não encontro nenhum jogador com esse sensacional apelido: “muralha”.

Como é que não tem um goleiro chamado Muralha? Imagino um locutor histérico, durante os pênaltis da final da Copa do Mundo, a berrar na transmissão: “MU-RAAA-LHAAAAAA!!!” Que vacilo! Vou aproveitar: batizo o protagonista e o título do livro de “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”.

Alex treina no Flamengo - foto daqui

ALEX... MURALHA

Kuéin. Uma digressão: Murphy não dá mole, patrão. Eu, serelepe por anos, feliz da vida com o nomaço que arrumei para um personagem goleiro, chega 2015 e eis que surge, na 1ª divisão do futebol profissional brasileiro, o jogador Alex Muralha, goleiro titular do Figueirense e afrodescendente. Tenso. No ano seguinte, ele é contratado pelo Flamengo. Xiii... vou me ferrar. Chega setembro de 2016, e ele é convocado para a seleção brasileira. FUDEU!

Mesmo Alex Muralha sendo visualmente diferente do Muralha que criei [que é negro de pele bem preta e feições mais africanas] e uma “muralha” que leva gol [como qualquer outro jogador do mundo real], fatality para mim: resisto por algumas semanas, mas termino rebatizando o meu personagem. A vida sempre enfiando 7 a 1 na ficção. PS: Segundo o Uol, Alex ganhou o apelido do seu treinador de goleiros na época do Serrano-PR [“Nos trabalhos de chute a gol ele era uma muralha, não deixava passar nada. Aí começaram a dizer, ‘parece uma muralha, parece uma muralha!’ Pegou”].

Flanático aos 15 anos (fev/1996)

ORIGEM

Torço para o Flamengo desde 1987. Sempre acompanhei o futebol pela TV. Fui torcedor de dentro de casa. Guri e sozinho, brincava de escrever partidas imaginárias num caderno, com escalação e placar [ganhei um calo eterno no dedo da caneta por isso]. Sempre joguei cartuchos de futebol, do Atari ao Playstation [quando a opção chegou, gastava tempo da locadora só para elaborar cada jogador do meu time, caraterísticas físicas, nomes, habilidades...].

Na escola [e no baba da rua], restou-me ser goleiro, por ser perna de pau [mesmo míope de grau cinco]. Carrego, na mesma mão direita do calo, a cicatriz de uma cirurgia por conta de uma porrada na trave [foi uma defesaça; a última, pois nunca mais bati um baba — às vezes, conseguia uns feitos].

O interesse pelo futebol diminuiu a partir dos anos 2000. Formei-me jornalista, mas passei longe do esportivo. E foi um ex-colega da Facom-Ufba que primeiro me ajudou. Não podia encarar o desafio de escrever um romance sobre um goleiro apenas com os laços afetivos do passado. Então, procurei um especialista.

O prédio do apê na Martins Fontes. Frame de 2019 do Google

O PRIMEIRO ARQUIVO

23 de julho de 2012, segundona, eu tô de bobeira num apê no final [ou começo] da rua Martins Fontes, centro da capital de São Paulo, num prédio onde o restaurante Planeta’s se localiza. Ana Gilli, a namorada paulista, está fora, num trampo em outra cidade. Não quero enfrentar o frio na rua, e prefiro ficar lendo os contos de Machado de Assis, selecionados por John Gledson.

Decisões de trabalho por e-mail me levam ao laptop. Aproveito a pausa na leitura e passo a limpo o esboço de “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol” — vacilo sem culpa de Murphy: depois de digitalizar, amasso e jogo fora o papel [logo eu, que guardei tanta tranqueira, aff...].

O arquivo mais antigo de “oroboro baobá”

Dois dias depois, de volta a Salvador, modifico umas coisitas e salvo o esboço de “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol” nos e-mails e HD. É o primeiro arquivo dessa longa jornada [hoje, a pasta tem mais de 250 arquivos relacionados ao romance].

O jornalista esportivo Darino Sena

PRESENTE DE DARINO SENA

Depois de debater com os sócios da Flica a necessidade de criar uma empresa só para gerenciar o evento [na época, a empresa responsável era a Putzgrillo Cultura, com apenas 2 sócios (eu e Marcus Ferreira) dos 4 que então eram donos da Flica], e definir o nome Codex — Produções Literárias para ela [não foi à frente; só conseguimos implantar a Cali em 2013, com 3 sócios], na tarde da segunda 23/07/12, via celular, o apresentador e jornalista esportivo Darino Sena [o ex-faconiano especialista em futebol] oferece o seu presente ao romance: sugere que ficaria mais fácil para a coerência se o goleiro Muralha surgisse no futebol amador ao invés do profissional, como eu havia pensado. Além disso, ele esclarece várias dúvidas e se prontifica para intermediar reuniões com dirigentes e goleiros, caso eu precise. Valeu, Dadá!

O goleiro Barbosa

O ESBOÇO

Muralha é órfão de pai e mãe, negro, magro, que não fala, extremamente reservado, estranho e misantropo. Descoberto num time de várzea de interior, o goleiro que nunca tomou gol vai jogar no Bahia e é aclamado por garantir o título, depois de um longo jejum. Criticado pela imprensa, não dá entrevista, é tachado de antipático, não se relaciona com os outros jogadores, não tem vida social e nem faz badalação. Exige do seu empresário: quer jogar no Flamengo. Garante o título nacional, é aclamado jogador do ano e nem vai receber o prêmio. Times internacionais querem comprá-lo, mas ele não sai do Flamengo. Conquista os títulos mais importantes, estreia na seleção brasileira, é destaque mundial, mas vive recluso, cercado de seguranças, e dispensa contratos milionários de patrocínio.

Muralha sofre um atentado à bala, dias na UTI, quase morre, comoção nacional. Sobrevive. Fisioterapia, recuperação. Volta a jogar no Flamengo e na seleção, e os títulos reaparecem. Na Copa do Mundo de 2014, a seleção chega à final no Maracanã. 2º tempo, num contra-ataque, toma um frango. O estádio se cala, o mundo para: Muralha tomou um gol!!! Ele é crucificado como o responsável pela derrota. Acorda. Era um pesadelo. Desesperado, foge da concentração. Vira notícia mundial o sumiço de Muralha. Ninguém o encontra. Numa bodega, lugar nenhum, ele assiste a partida final. Do bolso, saca uma fotografia do seu avô, o goleiro Barbosa, e fala: “Está livre, vô. Descanse em paz.”. Nunca mais foi encontrado.

Nesse esboço inicial [cheio de furos e problemas], havia o interesse de homenagear Moacir Barbosa Nascimento (1921-2000), o grande goleiro negro do Vasco [mesmo sendo um rival do meu rubro-negro], de defesas memoráveis. Natural de Campinas (SP), Barbosa era o titular da seleção brasileira no Maracanazo, a final da Copa do Mundo de 1950. Infelizmente, foi crucificado como o responsável pela derrota, acusado de ter falhado no gol da vitória do Uruguai — essa culpa se torna a maldição que lhe persegue até o fim da sua vida.

Com Tabajara Ruas na Flica 2012. Foto: Vinícius Xavier

OROBORO BAOBÁ [1ª VERSÃO]

Em 2012, paro por aí com o romance. Entre 17 e 25 de julho. Só isso. Prefiro dedicar-me a: mudanças na produtora Putzgrillo Cultura [eu saí e abri outras empresas em 2013]; pré-produção e realização da 2ª edição da Flica [e mais restos de trampo da 1ª edição], entre outros eventos e projetos; finalização da 1ª versão do livro “Nostalgia da lama” para edital [e mais o livro de contos “Pinaúna”, original de “O grito do mar na noite”], entre outros trampos autorais; e o romance ponte-aérea SSA-Sampa com Ana Gilli, que me dá de presente o livro “Gigantes do futebol brasileiro”, de João Máximo e Marcos de Castro, com a dedicatória: “Que este livro possa trazer um pouco mais daquela vontade de entrar em campo e escrever Muralha! Aguardo ansiosa por esta linda estória, que vai levantar muita torcida!” [sobre o esboço, Ana opina que precisava de um “romance”, alguma história de amor, para aliviar o sofrimento].

Com Tabajara Ruas e Ligia Walper em Canela-RS

DO NORDESTE AO SUL

2013 é um ano dedicado aos negócios. Abro uma nova empresa, Mirdad — Gestão em Cultura, e quero firmá-la como uma produtora de grandes eventos literários pelo Brasil [Edmilia Barros como sócia]. Invisto para viabilizar a Flisca (SC) e a Flican (RS), em parceria com Aurélio Schommer [sócio da Flica] e a produtora local Walper Ruas, de Ligia Walper e Tabajara Ruas [começamos a esboçar a parceria na Flica 2012, em que o escritor gaúcho participou — só o conheci por causa do evento].

Num day off desse business, domingão de abril, Parque da Redenção, em Porto Alegre, apresento o esboço de “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol” para Tabajara. Natural da gaúcha Uruguaiana [presente no romance para lhe fazer uma “homenagem” — assim como o nome do personagem Juvêncio], o escritor e cineasta se interessa pela história e opina; ficamos de conversar sobre a possibilidade dele filmá-la [o que não foi à frente]. Não sabia que os únicos lugares além da Bahia em que escreveria o romance seria em lares de Tabajara ou relacionado ao business com a Walper Ruas.

Seleção de Porto Seguro em 2010. Foto: Geovan Santos

PORTO SEGURO

De novo uma terça-feira, de novo no apê 703-B. Quase um ano depois, 11 de junho de 2013, supero a enrolação e a preguiça, e finalmente retomo o projeto do livro. Primeiro, estudo o esboço, a planejar a narrativa. Depois, seguindo a dica de Darino Sena em 2012 [o goleiro Muralha não deve surgir no profissional], crio uma linha do tempo: a trajetória seria do amador em 2010 à Copa de 2014. Então, faço uma pesquisa sobre o Campeonato Intermunicipal da Bahia.

A seleção campeã do Intermunicipal 2010 foi Porto Seguro, o sítio onde os portugueses acharam o Brasil. Interpreto como um chamado e sagro: Muralha vai começar no futebol na origem da nossa tragédia, início da história desse país contraditório e violento.

Via São Google, descubro o blog “Ligeirinho no Esporte” [intitulado “O primeiro site de esporte da Terra Mãe do Brasil”], que fez a cobertura da campanha dos “Meias Vermelhas”. Coleto os dados: seleções adversárias, jogos e nomes dos jogadores. Nos dias a seguir, de volta ao prazer da infância: crio a minha versão da seleção de Porto Seguro, e presto uma “homenagem” ao versionar os nomes reais dos jogadores nos meus personagens [Rilex vira Rolex, Caca em Paca, e Dilson em Nilson, mas ainda não elaboro o time todo] — já o psicológico e o físico são pura criação.

Aproveito o momento de pesquisa [desculpa para preguiça de escrever] e tiro dúvidas futebolísticas com Darino Sena, e também com o jornalista esportivo Ivan Dias Marques [outro ex-colega da Facom]. Trabalho das 14h20 às 18h nessa terça 11/07/13, e me empolgo com a nova empreitada: vou ser romancista! [na tora, sem experiência ou formação]

O goleiro Dida

DIDA, O ELEGANTE

No dia seguinte, assisto a defesas incríveis no YouTube, para poder me inspirar na criação das defesas impossíveis de Muralha. Lembro do grande goleiro Dida, revelação do Vitória [rubro-negro baiano que torci por décadas; hoje, simpatizo, assim como qualquer outro time rubro-negro: sempre sou a favor dessas cores], cuja personalidade reservada lembra um pouco o que eu quero com o meu personagem.

O iraraense Nelson de Jesus da Silva [criado em Alagoas], o “Rei dos Pênaltis”, também do Cruzeiro, Corinthians, Milan e da seleção brasileira, elegante, elástico, de porte nobre, altivo, calado e reservado, é uma grande inspiração para Muralha. Aproveito o conforto do YouTube, e também estudo as grandes defesas de Dida.

Caraíva, Bahia - foto daqui

CARAÍVA

Não me lembro como soube de Caraíva, só que idealizei o Réveillon 2011-2012 por lá com a amiga Rafinha Eloi, mas, devido ao acidente do meu pai, desmarquei a road trip até a colorida vila litorânea, de campings, pousadas e hotéis rústico-luxuosos, resguardada pelo rio, beira-mar, sem asfalto, de visitantes que gostam de dançar forró e ter contato com a natureza e a cultura indígena. Caraíva é um distrito de Porto Seguro, assim como Trancoso e Arraial d’Ajuda [talvez seja o mais predileto dos turistas paulistas].

Pois o maktub me fez ir de qualquer jeito. Saí de Ilhéus [final de ano com a família, luto pelo meu pai] no dia 03 de janeiro de 2012, pilhado por uma voz interior que me pentelhava em loop infinito [“Vá pra Caraíva + Vá pra Caraíva + Vá pra Caraíva”], sozinho, dirigindo por estradas que nunca fui, uma aventura entre fazendas, barro, lama, pontes improvisadas, bois dando carreira, encruzilhadas, celular fora de área, “botano pra jogo” o carro com dois meses de comprado [sem saber, fui pela estrada mais longa, via Itabela].

Estrada “lost” para Caraíva

Quando pisei o pé na areia de Caraíva, avistei a paulista que, no final desse enorme três de janeiro, tornou-se a minha namorada Ana Gilli.

Passei apenas dois dias e meio em Caraíva, mas circulei bastante [embora não tenha ido na Aldeia Mãe Barra Velha; preferi conhecer Corumbau]. O presente afetivo que a vila me deu [uma história de amor que fez valer 2012], de maneira tão incomum e mágica, me faz escolhê-la, em junho de 2013, como uma das locações principais do romance [mesmo com o namoro terminado há meses].

Djimon Hounsou por Fabrizio Ferri

MURALHA COMO DJIMON

No esboço de 2012, a descrição física de Muralha era apenas “negro magro”. Na minha cabeça, um tom de pele mais claro, mais comum aos negros da Bahia. Porém, em 2013, resolvo mudar. Quero valorizar o negro mais negro, o tom bem escuro da pele. Pesquiso no São Google imagens de homens africanos, até que a foto acima me dá um estalo: “É ele!”

O ator Djimon Hounsou [excepcional em “Amistad” e “Diamante de Sangue”], natural do Benin e naturalizado norte-americano, fotografado no esplendor da sua beleza [quando jovem] pelo fodástico fotógrafo italiano Fabrizio Ferri, é o rosto que eu (re)imagino para Muralha.

A força de Djimon também me inspira a mudar a magreza do goleiro. Muralha passa a ser um fenômeno físico, “mais alto e forte que qualquer um”.

Algumas locações do romance via Google Maps

ROMANCE ROAD TRIP

2012 e 2013 foram os anos em que eu mais circulei pelo país na década de 10. Rotina de viagens a trabalho e a lazer, passagens aéreas baratas e rolés de carro com a amada rumo a várias praias. O movimento era muito presente na minha vida, e isso refletiu nas escolhas para “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”. Além disso, o livro traria a campanha de Porto Seguro no campeonato, e o time teria de se deslocar para disputar as partidas.

Um romance road trip! Passei a usar a incrível ferramenta do Google Maps e do Google Street View [sempre presentes no processo de criação do livro]. Um conforto imprescindível e de acesso free: o mundo ao alcance dos olhos sem sair de casa; basta computador e internet.

Abro o mapa do Google e escolho os principais destinos já em 2013: Mucuri, Nanuque, Bom Jesus da Lapa, Nova Viçosa, Vitória da Conquista, Teixeira de Freitas, etc... [e outros seriam descartados depois, como a fronteiriça Urandi e a sisaleira Araci]. Amante de Geografia, mapas e enciclopédias desde menino, curto demais essa parte da jornada [outra volta ao prazer da infância!].

A 1ª sugestão para a capa do romance

CAPA [1ª VEZ]

Segunda, 10 de junho de 2013, manhã. Sou desse jeito: não começo sem um título. Mais ainda: às vezes, não começo sem uma capa. Antes do texto, tenho que criar a capa. Bingo! A ideia surge: o gol bloqueado por um muro. Mais: nada de animação; terei que produzir um jeito de construir um muro dentro de um gol nalgum estádio de futebol. Real. O meu “The Wall”. Cato na rede [via Google] duas fotos [não havia crédito] e faço a montagem acima. A imagem é o estímulo para [re]começar a jornada. Divulgo no meu Facebook que irei começar a escrever o romance.

A banda islandesa Sigur Rós, na formação 1999-2012 - foto daqui

COMEÇO A ESCREVER

Quarta-feira, 12 de junho de 2013, na data criada pelo pai de Dória para o comércio aumentar as vendas no meio do ano, finalmente começo a escrever o romance “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”, próximo ao horário do almoço, no apê 703-B, ao som dos álbuns de post-rock da banda islandesa Sigur Rós [excelente para criar o clima de claustro; apaixonei-me pelo som élfico em 2012].

A estreia é o capítulo I, que começa com a resposta de um filho para a sua mãe: “Deus te abençoe também” [casal de ricos paulistas em Caraíva, à noite; pizzaria, planos de novas viagens, amassos no escuro, caminham sozinhos, avistam Muralha na ruela e se assustam, a se esconderem numa pousada — capítulo para expor o racismo]. Só termino o I no dia seguinte, com quase seis horas de trabalho — segue abaixo, sem vergonha de expor as deficiências [sem revisão]:


No apê 703-B, continuo a produzir:

Cap. II (13/06/13, das 16h às 18h50) — o original da cena do dominó durante o toró em Caraíva [vivenciei uma tempestade que isolou a vila em 2012]; Muralha era Mudinho, de nome José Santos, natural de Mucuri, filho de Maria Santos, criado num orfanato de Nova Viçosa, encontrado no mangue de Caraíva pelo pescador Capitão [original de Alderico — outros personagens tinham nomes diferentes também]: “Ô, cabra, aqui tá cheio de Zé, e como você não fala porra alguma, tu vai ser o Mudinho e pronto”; Capitão leva Mudinho para jogar dominó com ele, ganham partidas, rola treta com o pataxó Marceleza [o original de Marcelino era um índio], que é traficante, empresário, atacante e artilheiro de Porto Seguro [ponho o bordão “patchara” pela 1ª vez no livro, no brado de Marceleza: “Tá maluco você, Capitão, se altere pro meu lado não, você num sabe quem eu sou não, patchara?” — tenho dúvida se foi Leandro “Cebola” Pessoa ou Marceleza de Castilho quem inaugurou para mim essa palavra]; toró aumenta, um casal quer atravessar assim mesmo, Mudinho deixa o jogo e sai na chuva, cata o celular da moça paulista que o reconhece da noite anterior [o casal do racismo] e o agradece.


Cap. III (15/06/13, das 09h30 às 12h30) — a descrição mais apurada do comportamento de Mudinho em Caraíva [“o serviço sempre bem feito, sem enrolação ou malandragem (...) Nunca o viram com mulher. Nem com homem (...) Mudinho cortava qualquer diálogo com um silêncio constrangedor (...) o tamanho, a robustez, a cor e a cara fechada solidificaram geneticamente o casulo impenetrável para a sua misantropia”] + obra no chalé de Marceleza [o pedreiro Carranca era Pezão], em que o índio intima Mudinho para jogar: “Nesse final de semana não vai ter jogo pelo Amadô, mas vai ter o baba na aldeia, vou receber uns amigos lá, farra boa. Ói a mão do sacana, dá pra pegar dois cocos numa só! Ahh, vai jogar sim. (...) Tu vai pegar no gol, crioulo, e você, Pezão, se não levar ele, vai ficar sem serviço por um bom tempo, vú?”

Na casa dos Walper Ruas

BABA NA ALDEIA

O coro come no país em junho de 2013, e eu em casa, vendo pela TV. O mês das manifestações, e eu não vou para a rua; o máximo que faço é refletir no Facebook o que acho do movimento. Prefiro trabalhar, seja no “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”, ou na 2ª viagem ao Sul em prol da Flisca e Flican.

Em Floripa, a revolucionária quinta 20 força o cancelamento dos compromissos marcados. Resta-me finalizar, em duas horas, o cap. IV [comecei em Salvador, trabalhando 7h em 17 e 18/06/13], no escritório da linda casa de Tabajara Ruas e Ligia Walper.


Fico muito satisfeito com o resultado, o primeiro momento que escrevo cenas de futebol no romance. O capítulo [depois, a parte/cena] “baba na aldeia” passa a ser um dos meus xodós do livro [durante toda a jornada e para sempre].

Com os Walper Ruas e amigos no mirante do Morro Pelado em Canela (RS)

NO FRIO

Depois de passar o São João no frio de Canela, na serra gaúcha, de volta a Porto Alegre. Manhã da quarta 26/06/13, na solidão de um melancólico e asséptico quarto do hotel Master Royal [bem disse o escritor Paulo Bono: “Quartos de hotel só servem para mostrar o quanto você é você só”], trabalho por três horas no cap. V: saída de Mudinho de Caraíva e história da sua mãe Maria — natural de Nanuque, doméstica em Bom Jesus da Lapa, fez a foto, se engraçou com o fotógrafo, foi embora com ele para Vitória da Conquista; ciumento, botou-a na rua, que se prostituiu, amigou-se em Mucuri e morreu de enfarto após o parto [Tonica era uma vizinha viúva que cuidou de Maria, sugeriu o nome José para o filho dela e o despachou, ainda bebê, para o orfanato em Nova Viçosa, e morreu num acidente na estrada, quando voltava para casa].

À tarde, eu e Lígia Walper temos uma excelente reunião com o premiado romancista Luiz Antonio de Assis Brasil, então Secretário de Cultura do RS [garantimos o seu apoio ao projeto da Flican]. Depois, no apê da família Waper Ruas, eu e Tabajara a assistir ao jogo da CBF x Uruguai, pela Copa das Confederações. Com a literatura e o futebol pulsando em alta, de volta ao hotel, continuo a trabalhar no cap. V: Mudinho perambula por várias cidades do interior da Bahia [“Para evitar confusão ou atuações mais graves do racismo e xenofobia latentes, ficava poucos dias”], com o puído retrato da sua mãe em mãos.

Reunião Flican com Assis Brasil

Uma pausa providencial para o jantar de despedida, oferecido pela família Walper Ruas, na churrascaria mais antiga do Brasil. Que delícia! De barriga cheia, no quarto do Master Royal, defino que o romance será dividido em partes [portanto, estou a escrever a “Parte I — Mudinho 2010”] e trabalho até quase meia-noite no cap. V: escrevi o original da reflexão “Quem é você sem a referência de onde veio? (...) Como evoluir a árvore dos seus genes sem a pertença da raiz?” [era com a voz do narrador].

No dia seguinte, acordo cedinho e vou para o aeroporto, mas uma neblina brutal fecha o Salgado Filho. Perco o voo. Na fila para remanejá-lo, começo a ler “Como ficar sozinho”, de Jonathan Franzen. Num é? E a saída de POA fica para o final da tarde. Então, resta o solidário apê dos Walper Ruas. Conto, mais uma vez, com a boa vontade da família. Aproveito para escrever, no quarto dos filhos: finalizo o cap. V [descrição da foto de Maria e Mudinho chega a Bom Jesus da Lapa] e inicio o VI [com o acidente do goleiro titular , o técnico Xandão quer testar Mudinho na seleção].

Eu em 2013, pelo traço do primo Jorge Barreto

ARGUMENTO

Concluo o cap. VI (Mudinho em Bom Jesus da Lapa observa a foto da mãe e a amassa, zerando o seu passado; Xandão encontra Mudinho e o convida para jogar na seleção) em Salvador, de volta ao apê 703-B (em 30/06 e 01/07/13). Para não me perder no romance, no dia “Vamos descobrir o mundo juntos, baby. Quero aprender com o teu pequeno grande coração”, monto o esquema com os jogos decisivos de Porto Seguro no Amadô — escolho esse nome para o campeonato como uma “homenagem” à brincadeira que Ana Gilli fazia sobre o jeito baiano de pronunciar o “r” no final, quase sempre com um acento circunflexo [calô, sabô, favô...].

No feriado de 02 de julho [a independência do Brasil começou aí], inicio o cap. VII, detalhando o Amadô, mas não me sinto seguro de continuar a escrever “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol” sem esquematizá-lo melhor. Telefono para o sócio e escritor Aurélio Schommer, para testar as minhas ideias para o livro. Muito solícito, ele me ouve com atenção e dá opiniões. Sorte: invento um norte para o final do romance. E decido também dar um tempo dos capítulos da “Parte I — Mudinho 2010”, para elaborar o argumento com as outras partes do romance.

Entre 02 e 04 de julho, invisto quase 10 horas de trabalho e concluo o argumento [totalmente descartado depois].


Em relação ao esboço de 2012, muitas modificações: invento que Muralha tem prosopagnosia, sem saber do protagonista de Daniel Galera [foi o amigo escritor Tom Correia que me alertou para essa semelhança com o bombado livro que não li “Barba ensopada de sangue” na Flica 2014]; retiro a “homenagem” ao goleiro Barbosa; para não tomar um processo de uso indevido da marca, prefiro não usar os nomes dos times reais, mas ainda os tenho como referência [inclusive utilizo as tabelas de jogos que aconteceram]; etc. [troquei o Flamengo do esboço pelo “Corinthians” no argumento porque a campanha do alvinegro nos anos 2010 a 2012 fora melhor]

Vista do apê 703-B, onde descansei os olhos nas pausas da escrita

JULHO NA FUNÇÃO

Seguro pelo argumento, retomo a produção literária e dedico o mês de julho de 2013 para terminar a “Parte I — Mudinho 2010” do romance. Segue o baba:

Cap. VII [02, 05 e 07/07/13 | 04h e 45min] — apresentação de Mudinho ao elenco de Porto Seguro; treinos com o preparador de goleiros [chamado então de Ferreira]; Mudinho assiste a uma partida do banco, não interage com os jogadores, circula pela cidade, isola-se na pensão de Dona Arminda; empate de Porto Seguro; o jornalista Bip-bip cobra Mudinho como titular e sugere racismo do técnico Xandão que, por birra, afasta o goleiro negro do elenco; o titular Lupino [original de Sereno] se machuca; Xandão improvisa o zagueiro Nei como goleiro e o escala; Bip-bip aciona o prefeito para evitar a desclassificação na semifinal do Amadô.


Cap. VIII [11 e 13/07/13 | 07h e 15min] — Porto Seguro joga no Toca do Guaiamum, e a torcida conclama por Mudinho; o improvisado Nei toma frango; o prefeito exige de Xandão que escale Mudinho; o goleiro negro estreia no Amadô, ignora a torcida e defende todas as bolas; Marceleza empata o jogo; o prefeito volta ao vestiário com Bip-bip para se promover com Mudinho e o goleiro o ignora; o elenco celebra o novo titular, mas o prefeito, chateado, exige que Xandão recoloque Mudinho na reserva [chantageia-o com provas de pedofilia] e ele obedece.

Estádio Municipal Agnaldo Bento dos Santos, em Porto Seguro, atualmente apelidado de “Gigante da Feirinha” [na época em que pesquisei para o romance, era “Toca do Guaiamum”, e o nome oficial era Antônio Carlos Magalhães (foi alterado por lei em out/2009)] - foto daqui


Porto Seguro faz 1 a 0 na adversária em Santa Luz e catimba; há invasão de campo e pancadaria, Lupino apanha [na época, era ele o responsável pela cena da catimba que irrita os torcedores, e não Rallex] e vai para o hospital; o juiz se recusa retomar a partida, e Porto Seguro se classifica para a final; Mudinho desaparece [dizem que pulou o muro do estádio].


Cap. IX [13 e 14/07/13 | 05h] — Faço uma pesquisa para criar a família de Reinaldo Correia [uma “homenagem” ao escritor Ronaldo Correia de Brito], o Seu Brito. Casado há 40 anos com a potiguar Dona Vanda, engenheiro civil, era natural de Salvador e filho de português, apaixonado pelo Esquadrão de Aço [versão para o Bahia], conselheiro e ex-presidente. Com casa de férias em Trancoso, o rico senhor tinha duas netas gêmeas, Lux e Venice, da sua caçula Mônica, que moram em Yakutsk com o pai russo [Mônica decidiu viver em comunidades do Rainbow Gathering].

O filho mais velho é gastroenterologista, Leandro, e mora em Boston com o também médico Frank Manuwa, neurologista nigeriano. Seu Brito tem muita saudade, pois ele era o seu parceiro fiel nos jogos do tricolor na Fonte Nova. Os amigos comentavam, mas ele não ligava que o filho era gay [é um homem liberal, amigo de milicos e operários, de conservadores e comunistas, de governantes e explorados].

O filho do meio é Sanfilippo, em homenagem ao goleador argentino do Esquadrão de Aço, mas ele contrariou o pai ao torcer pelo rival Leão Negro [versão para o Vitória]. Separado sem filhos, jornalista desempregado e junkie sem rumo, Sanfilippo se reestabelece em Porto Seguro a pedido da mãe, faz as pazes com o pai e assume o cargo de Presidente da Liga Amadora do Descobrimento (LAD), cujo ápice é a passagem de Porto Seguro para a final do Amadô. Recém-chegado para as férias de dezembro em família, Seu Brito se convida para assistir a um jogo da seleção, e Sanfilippo o incentiva: “Tem até um goleiro novo que Xandão arrumou que pega tudo. O sacana não toma gol (...) de jeito nenhum.”

Escudo da LAD, baseado no real escudo da Liga de Futebol de Porto Seguro, para servir de modelo ao desenho de Minêu

Cap. X [14 e 15/07/13 | 04h e 40min] — Porto Seguro ferve no clima da decisão do Amadô, a imprensa repercute, e o prefeito se aproveita; Lupino no hospital; Sanfilippo quer excluir a Liga Luzense de Esporte Amador da Federação e vai à delegacia em Santa Luz; realmente Mudinho pulou o muro, atravessou a cidade e se refugiou no açude Tapera; o presidente da Liga Luzense de Esporte Amador era irmão do delegado; prenderam Mudinho de manhã, na estrada; chantagem na delegacia: ou Sanfilippo deixa a liga em paz ou apresentarão Mudinho à população como o assassino de duas meninas — o dirigente aceita.

O percurso da corrida de Mudinho atravessando Santa Luz via Google Maps


Cap. XI [16 e 17/07/13 | 03h] — Amadô, 1ª partida da final, Porto Seguro enfrenta a seleção de Conceição do Coité, na casa da adversária; chantageado, Xandão escala o improvisado Nei no lugar de Mudinho; no vestiário, o técnico e Sanfilippo discutem; alterado, Marceleza saca uma arma e defende Xandão; o preparador Ferreira se demite e Sanfilippo sai do estádio para beber [avalia Mudinho como um autista]; retranca bizarra de Porto Seguro garante o empate; Dona Arminda despeja Mudinho e aluga o quarto 04 para outra pessoa; Marceleza vai resolver e saca a arma; a porta abre e o hóspede mete quatro tiros no atacante [escrevo o super-xodó “Um valente se acaba quando encontra um mais valente ainda”].


Cap. XII [17, 22 e 23/07/13 | 05h e 30min] — enterro de Marceleza [um parágrafo apenas]; Sanfilippo enumera as coisas ruins que aconteceram desde a chegada de Mudinho [o original do trecho “Será que não é Montanha a cabeça de bode?”]; o técnico se reúne com o prefeito, que autoriza Mudinho como titular e faz nova ameaça: “(...) traga o título de qualquer maneira. É a taça na mão ou o DVD na polícia.”; a família de Seu Brito reunida para os festejos, e ele arquiteta o seu retorno ao Esquadrão de Aço [“pensava em algo mais efetivo, que influenciasse diretamente o time, mexesse com a torcida”]; Amadô, 2ª partida da final no Toca do Guaiamum, homenagens a Marceleza, o time de Porto Seguro vestido de branco, Seu Brito avalia Mudinho da arquibancada, na companhia dos filhos [ele questiona o apelido, o filho tricolor deseja o goleiro no Esquadrão de Aço, um pescador berra “Vai Murá-lháaaaaaa! Vai Murá-lháaaaaaa!” e Seu Brito repete, baixinho: “Muralha... hum”]; Mudinho defende todos os pênaltis, Porto Seguro campeã, e o goleiro corre para o vestiário, evitando a comemoração; Seu Brito afirma: “Meu filho, amanhã eu quero contratar esse goleiro”.


OROBORO BAOBÁ [2ª VERSÃO]

Na noite da quarta 24/07/13, faço uma revisão, de pouco mais de uma hora, em alguns capítulos da “Parte I — Mudinho 2010”. “Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite”, e eu na literatura, Lulu: começo a escrever o último capítulo, o XIII, no começo da noite do sábado 27/07/13 [mais reflexões sobre a personalidade de Mudinho].

Domingo, 28 de julho de 2013. Acordo às 10h [o resto da noite de sábado foi farra na Rec Filmes, niver do fotógrafo David Campbell], fico de bobeira na internet, e tomo fôlego para terminar de escrever o cap. XIII antes do almoço: Sanfilippo e o seu pai chegam na pensão, manhã cedo após o título, e tentam contatar Mudinho, que está trancado no quarto 04; novos rumos para Seu Brito; o quarto é aberto pelo funcionário da pensão; Mudinho está quieto e nu; Seu Brito entra, pega uma bermuda e diz: “Tome, Muralha, se vista que eu tenho um emprego pra você. O dia vai ser longo, temos muito que fazer.”

É Seu Brito quem batiza Mudinho de Muralha no romance. Às 13h15, concluo a “Parte I – Mudinho 2010” com essa frase: “José Santos abriu os olhos e pegou a bermuda.


Coincidentemente, no início da noite desse domingo 28/07/13, também termino de ler o romance “Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez”, do amigo Tabajara Ruas. Gravei na agenda: “Adorei! Muito bom!” [selecionaria um trecho dele para epígrafe de “Muralha” em 2015].

Caricatura de Muralha por Minêu

MURALHA POR MINÊU

Na noite da terça 23/07/13, via inbox do Facebook, faço um pedido para o cartunista e publicitário Rodrigo Minêu, amigo-irmão desde os anos 2000, comparsa do fanzine Bundalêlê, na época da Facom: “Véio, tô escrevendo em alta o Muralha. Estou chegando ao final da parte I, 2010, quando ele é campeão amador pela seleção de Porto Seguro. Para marcar essa fase, gostaria que vc fizesse uma caricatura de Muralha pr'eu publicar aqui no Face (...) com o uniforme da seleção (...) A cara de Muralha é inspirada em Djimon Hounsou. O escudo da seleção de Porto Seguro é esse, alterado por mim (...) O uniforme de Muralha é amarelo com detalhes em preto (...) a calça é preta e as meias são brancas (...) Ele tem 1,96m, 90kg, 20 anos”. Minêu topa: “Ok. Tô meio fudido agora, te ligo mais tarde, mas faço sim. Te mando um esboço”

Na manhã do domingo 28/07/13, ele manda o esboço [“Fala, velho. Fiz um raf. Vê o que vc acha. Abrs!”]. Noto que ele inseriu o número 23 na camisa de Muralha. Respondo: “Massa, manda ver! Só vou verificar aqui se coloquei algum número na camisa do Muralha. BALA! Tudo ok com o 23. Inclusive, acrescentei no livro”. [“Mudinho, vestido com um uniforme amarelo escuro com detalhes em preto, número 23, atuou pela primeira vez, embora no banco de reservas, como jogador de um time (...)”]

Raf e 1ª versão de Muralha por Minêu

Minêu envia a 1ª versão da caricatura na manhã da quarta 31/07/13. Eu peço para que ele faça Muralha mais preto, “da cor do preto da camisa”. Minêu responde: “É, tb tive essa sensação do preto. (...) Vou deixar mais escuro, sim. Faço uns testes. Mas não pode ser o preto da camisa, pq não fica bom com o estilo de desenho que eu faço (...) É que como não desenho olhos nem dentes, os traços precisam ter um pouco de contraste, mesmo. (...) vou puxar a cor do rosto mais pro cinza ou pro azul e vai ficar como vc tá imaginando”

Primeiro de agosto, uma quinta, Minêu envia o desenho final de manhãzinha: “Vê se tá bom agora. Se quiser, escureço mais. Vc que sabe”. Piro pelo presente: “Muralha tá foda, excelente!!!! YEAHHHHHHHHHHH!! Valeuzaço!!!”.

O goleiro da minha geração foi Taffarel, brilhante na Copa do Mundo 1994 - foto daqui

QUESTIONÁRIO

Reconheço que não tenho expertise para escrever sobre Muralha profissional. Ligo para o solícito Darino Sena, que me passa os contatos de dois goleiros do Bahia e Vitória, de um preparador de goleiros e de um assessor. Elaboro, então, o seguinte questionário:


Depois de feito, a tabaroice: fico adiando o contato, não mando nenhum e-mail, enrolo o máximo que posso. Resultado dessa pixotagem: questionário arquivado. Quem sabe não o aplico quando voltar a escrever “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”?

Muralha pelo traço do amigo cineasta Victor Marinho

RESUMO

E quando retomarei o romance? Amplifico a pixotagem: vou tentar arranjar uma editora que garanta a publicação do livro, mesmo sem tê-lo concluído ainda. JÊNIO! Planejo retomar o livro em novembro, após a Flica 2013, para ele ser impresso no início do ano que vem, e lançado no mês da Copa do Mundo 2014. Que Poliana!

No começo de agosto, decido sair da gaveta e envio os originais dos meus livros de contos e poemas para Guiomar de Grammont [ela trabalhou com a gente no início da pré-produção da 1ª edição da Flica], então à frente da ficção na Record. Rapidamente, ela responde, a rejeitar os livros, dando abertura de avaliar apenas originais de romance. Decido não enviar a “Parte I — Mudinho 2010”, porque queria tentar a LeYa primeiro [o motivo: era a editora que publicara Pepetela no Brasil — entre setembro e outubro de 2013, fascinei-me pelo seu romance “Mayombe”, o 2º livro que mais gostei nos anos 10, e que me marcou para sempre]. Oreba que sou, disponho-me a escrever um resumo do romance, que possa ilustrar às editoras o que eu quero atingir com o livro, ao invés de concluí-lo. JÊNIO, again.

Na tarde de sábado, 10 de agosto de 2013, leio poemas do mestre Ruy Espinheira Filho, presentes no livro que mais gostei nos anos 10: a obra completa [até 2012] “Estação infinita e outras estações”. Depois, numa pegada só, das 17h às 20h, escrevo o resumo de “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”:


MURALHA SEM ALÇA

Agosto para mendigar. Primeiro, contato o escritor Leandro Narloch [conheci-o na Flica 2011] via e-mail, porque quero a LeYa. Ele me responde rapidamente, que pode me indicar à editora, mas ela levou um baque e está com as contas justas, “publicando poucos livros e só os mais certeiros”. Uma real de qualquer editora, na real [mas eu não sabia nessa época Poliana]. Narloch pergunta: “Como é o teu livro, tem pegada de bestseller ou é um projeto autoral, sem tanta preocupação com vendas?” Respondo: “Quero vender sim, muito, se possível, transformar o livro num filme ou minissérie. (...) Acho que pode ser uma grande sacada dentro das possibilidades de livros no tema futebol para 2014. Um goleiro vencedor gênio da física?” E mando um quilômetro de e-mail contando a história de Muralha. Fico sem resposta.

“Cabra bom! (...) Rapaz, estava metido a escrever um romance que também tinha um goleiro como protagonista, mas o bicho, ao contrário do teu, levava gols que só a porra. Não tava gostando do resultado e dei um tempo dessa escrita. Quem sabe um dia retomo. Desde já, curioso pra ler o teu”. Esperançoso com essa resposta do escritor Xico Sá [conheci-o na Flica 2012], envio o resumo de Muralha para ele. Fico sem resposta [2] — talvez por eu ter escrito isso no e-mail: “Que editora (das grandes) teria perfil para o livro? Se você quiser ser o padrinho dele, tá na mão”. LOL!!!

O escritor Ronaldo Correia de Brito [conheci-o na Flica 2011; o que fiz a “homenagem” do nome de Seu Brito, o original de Dom Brito] foi mais sintético na sua resposta: “Manda o resumo que lerei, sim, com muito gosto”. Sou curtinho também: “Aguardo suas considerações com muito apreço!”. Fico sem resposta [3].

Aurélio Schommer foi o 1º escritor a comentar o romance

PRESENTES DE AURÉLIO SCHOMMER

Um dia após receber o resumo de Muralha, o escritor e sócio Aurélio Schommer quebra a praga da invisibilidade e oferece o seu presente ao romance [imagem acima]. Prontamente respondo: “Você me deu um presentão: a antítese da imprevisibilidade do futebol. Já incorporado 100% para as próximas partes”. Num outro e-mail, envio para ele a “Parte I — Mudinho 2010” [“Top secret, em primeira mão, você é o único com acesso ao que escrevi até então. Quero opiniões sinceras”].

No começo da noite de sábado, 17 de agosto de 2013, em uma hora de telefone [e muita disposição pela amizade], um empolgado Aurélio Schommer oferece mais um presente e me informa as suas impressões da 1ª parte do romance “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”. Ele critica, principalmente, a família de Seu Brito; acha-a muito numerosa e com excesso de detalhes, o que causa confusão durante a leitura. Concordo na hora! [que susto se soubéssemos que a versão final do romance traz um número excessivo de personagens e muita predisposição para confundir os leitores] Por fim, Aurélio debate os rumos para a 2ª parte do romance [só fui adicionar a sua sugestão em 2014].

Com o amigo Aurélio em 2012

SEM RUMOS

Em agosto, também começo a esboçar um projeto de publicação do romance para ser inscrito no programa Rumos Itaú Cultural de 2013, com tiragem de 2 mil exemplares via uma editora nacional a definir, e lançamento em cinco capitais [Salvador, Sampa, Rio, Porto Alegre e Floripa] em junho de 2014, no mês da Copa do Mundo no Brasil.

Não dura muito. A preguiça me faz encalhar o projeto. Só consigo produzir essa justificativa: “Lacuna de obras de ficção ambientada no Futebol / momento propício: O Brasil carece de obras de ficção ambientadas no meio futebolístico. É extensa a sua crônica esportiva, de grandes mestres como Nelson Rodrigues, e o jornalismo esportivo é um dos principais ramos no país. Mas é pouca e eventual a produção de livros de ficção, embora que, com a proximidade da Copa do Mundo, o momento seja propício para tanto e tenham surgido publicações como “O drible”, de Sérgio Rodrigues. Como o Itaú investe também no futebol, sendo patrocinador da Seleção Brasileira, há uma coerência em patrocinar um livro de ficção ambientado no futebol, ainda mais que Muralha, no romance, é o goleiro do Brasil na Copa do Mundo de 2014”.

Arquivo então a ideia de disputar um edital com Muralha [e nunca mais a retomo, só prêmios].

Com o mestre Pepetela na Flica 2013. Foto: Edmilia Barros

REALIDADE 7 X 1 SONHO

Na quarta 04/09/13, envio por e-mail o resumo e a “Parte I — Mudinho 2010” do romance + uma proposta de publicação para a LeYa [inclusive considerei a possibilidade de disputar o Rumos em parceria com a editora], que rapidamente a rejeita, dois dias depois: “Estamos com muitos livros contratados e por isso temos diminuído o ritmo das contratações. Como temos nossa grade completa até 2015, neste momento não temos interesse em contratar o projeto”.

Nada da ficha cair para mim. No sabadão de feriado, sete de setembro, envio o mesmo e-mail para Guiomar de Grammont, da editora Record. Dessa vez, a resposta demora, e prefiro focar na pré-produção da Flica 2013 [nessa época, além de ser o coordenador geral, participava da curadoria e exercia funções críticas como logística]. No domingo 29/09/13, via e-mail, chega a negativa da Record para a proposta do romance: “Seu livro entrou na última reunião do conselho editorial da Record e, infelizmente, a publicação não foi aprovada, não pelo mérito, pois defendi muito o livro, e a qualidade dele foi reconhecida. Contudo, estamos em fase de contenção de publicações e muito poucos títulos têm sido aprovados, sinto muito. Agradeço muito sua confiança, de qualquer forma. Um grande abraço, Guiomar”

Aos 33 anos em 07/10/13

Na noite do meu 07 de outubro, ganho um presente de Guiomar, que me explica, por e-mail, como funcionam as coisas: “é muito difícil, infelizmente, que o conselho editorial aprove a publicação de livro de um autor estreante. Eu argumentei bastante, falei na sua participação como organizador de eventos, etc., mas não adiantou. É preciso que você já tenha alguma estrada na literatura ou que apareça muito na mídia, incluindo redes sociais, para que possa vir a ter um livro publicado na editora”. Deduzo que seja para garantir uma venda mínima. É óbvio. Concordo com a empresa. Livro é muito caro para ser produzido, e não dá para tomar prejuízo nesse país em que poucos leem. Kuéin! Caio na real.

PS: A gentil e solícita Guiomar de Grammont ainda me ensina: “Te aconselho a procurar a 7 Letras, que tem feito um ótimo trabalho, e que publica mediante um compartilhamento dos custos com o autor. Ou alguma editora com boa entrada no mercado. Contudo, um conselho: tente ir conhecer os editores, pois costumamos receber mais de um original por semana e acabamos descartando mais rápido aqueles cujos autores desconhecemos”.

Reunião Flisca em Floripa com Carlos Henrique Schroeder (21/06/13)

PRESENTE DE C.H. SCHROEDER

Uma semana antes da Flica 2013 começar, arrumo um tempo para sondar o escritor Carlos Henrique Schroeder, que estava trabalhando comigo no projeto da Flisca como curador local. A intenção é buscar a 7Letras, via orientação da Guiomar. Solícito, o amigo CH Schroeder oferece o seu presente ao romance: topa intermediar o contato com a editora e conferir a proposta e a “Parte I — Mudinho 2010” [enviei para ele na quarta 16/10/13 por e-mail]. Marcamos de conversar só depois da Flica 2013.

Na tarde da segunda, 04 de novembro de 2013, acontece uma reunião via Skype com Schroeder. Depois de resenhar sobre o protesto que marcou a Flica 2013, conversamos sobre a expectativa da Flisca [ainda aguardávamos a resposta da Engage sobre a parceria no projeto]. Daí, em meia hora, Carlos Henrique Schroeder me informa as suas impressões da 1ª parte do romance “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”. Ele critica, principalmente, o capítulo I [episódio de racismo]: acha-o fraco para ser o início do livro; eu precisava de um capítulo com mais impacto, que seduza o leitor, relacionado ao futebol. Concordo na hora! Schroeder sugere também refazer o final do cap. IV, do baba na aldeia [só fui adicionar a sua sugestão em 2014]. Por fim, ele incentiva: o romance pode render bons resultados, mas eu preciso concluí-lo, para que ele possa apresentar à editora 7Letras.

Com a família Walper Ruas (21/04/13)

MURALHA PARA TABAJARA

Tá na hora de retomar o romance, escrever as partes que faltam. Mas como? Depois da ficha cair, para que me lenhar no cronograma Copa do Mundo? Preguiça, preguiça, preguiça. Zero incentivo. Releio a primeira parte. Que bosta de escritor eu sou. Bate a deprê. Não posso sacrificar a história de Muralha [se eu lançasse o romance por uma editora pequena, não teria repercussão e sumiria]. Não tenho expertise para escrevê-la. E se outro autor a escrevesse? Alguém com carreira, editora e competência?

Bingo! É isso! Na quarta, 13 de novembro de 2013, envio o resumo e a parte I por e-mail, e faço a inusitada proposta para o grande escritor gaúcho: “‘Muralha — O goleiro que nunca tomou gol’, romance de Tabajara Ruas, adaptado do enredo de Emmanuel Mirdad. Não temos filmes adaptados de livros? Essa poderá ser a estreia de livros adaptados de enredos!”. Caso o romance fosse escrito por ele, além de se tornar uma obra mais refinada, melhor escrita, sairia por uma grande editora e seria o próximo romance de Tabajara Ruas, que não lançava livro há tempos.

Quase um mês depois, na quinta 12/12/13, estou em Porto Alegre, no escritório da produtora Walper Ruas. Antes de Lígia Walper chegar e a reunião sobre a Flisca e a Flican começar, o amigo Tabajara confirma o que eu já esperava [pela demora da resposta]: não topa a proposta de escrever “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”, desculpando-se por falta de tempo e porque lançaria um novo livro em breve.

PS: Foi a última vez que nos reunimos presencialmente. No começo de 2014, desisti dos projetos das festas literárias no Sul. Infelizmente, nos distanciamos por isso.

Fachada do hotel Master Royal na av. Maranhão, em Porto Alegre, onde me hospedei em junho e dezembro de 2013, e escrevi no romance

POR CONTA PRÓPRIA

Dois anos que o meu pai e mestre Ildegardo Rosa falecera. Sexta, 13 de dezembro de 2013, entrincheirado no hotel Master Royal em Porto Alegre, triste, entediado e doido para voltar a Salvador, pesquiso sobre o ISBN e decido publicar os meus livros por conta própria, com o selo da empresa Mirdad — Gestão em Cultura.

O primeiro será “Nostalgia da lama”, de poemas. Meto a mão: crio um modelo de capa, a utilizar uma tela do artista plástico e cineasta Nelson Magalhães Filho. Gosto tanto do resultado, que decido: todos os livros terão o mesmo modelo, sempre com telas do baiano de Cruz das Almas — faltava acertar com ele a autorização.

A 2ª sugestão para a capa do romance: a tela “A Morte diante da Lua” (1998), de Nelson Magalhães Filho

CAPA [2ª VEZ]

Domingo, 15 de dezembro de 2013. Em Salvador, lascado de sinusite, dedico o dia para criar os modelos de capas para o livro de contos e “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”. A tela de Magalhães Filho escolhida para o romance é “A Morte diante da Lua”, de 1998.

Outra decisão: lançarei o romance somente depois da Copa do Mundo 2014, para não correr o risco de colocar partidas no livro que possam ter resultados diferentes na vida real, bem na época do lançamento, a irritar o leitor, virando piada.

Na abertura da Flica 2013 - Foto Edgar de Souza

AGRADECIMENTOS 2012-2013

Aos amigos que tanto me ouviram falar dessa história, e que contribuíram com pitacos providenciais, ou com uma maior atenção, como Aurélio Schommer, Darino SenaCarlos Henrique SchroederAna GilliTabajara Ruas, Ivan Dias Marques, Rodrigo Minêu, Gustavo Castellucci, Sara Galvão, Saulo Ribeiro, Mayrant Gallo, Dinho Castilho, Elieser Cesar e Wladimir Cazé, entre outros.

Dos livros lidos [durante o processo de escrita e fora dos dias de trabalho no romance] em 2012 e 2013, são estes acima os que eu considero como os mais importantes para a minha formação como leitor e escritor

CONTABILIDADE 2012-2013

Em 2012 e 2013, invisto 86 horas e 55 minutos em 31 dias [nos meses de junho, julho, agosto e novembro] para escrever “oroboro baobá”.

1ª fase
1h | 1 dia
Julho de 2012
[Esboço “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol”]

2ª fase
85h e 55min | 30 dias
Jun e Jul + Ago e Nov de 2013
[Romance “Muralha — O goleiro que nunca tomou gol” — 1ª parte]

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