Mayrant Gallo
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad
"O homem não pode sobreviver além do limite imposto pelo tempo, pela dor. Não pode suplantar a morte, se manter jovem e viril. Tudo o que o homem faz é porque já o traz embutido; tudo, toda ação é, portanto, uma peça a mais montando o emblema turvo do fim"
"Sem dúvida que ainda se encontrava longe de ser reduzido a ruínas, mas já possuía muitas fendas, como uma parede de compleição débil que a duras penas suportasse excessivo peso, e das quais a pior era aquela, ser só, de virar o rosto pela manhã na cama e não ver nenhum outro o olhando, ou então de apenas se prolongar a dormir, alheio ao tempo e à força da vida"
"Não, ele não tinha visto. Pouco olhava a cidade. Passava reto por ela, como a maioria das pessoas. Por isso é que quando enriquecem viram turistas. Vão olhar no exterior ou em outras cidades do próprio país o que nunca viram em sua própria cidade por causa da sofreguidão que os consome, no correr dos dias, na sucessão de eventos muitas vezes vazios, só aparência"
"A cidade é a mesma, clara, suja e desarrumada. Quando Gregório de Matos andou por aqui também notou isso. Um homem não pode ser limpo por aqui. Um homem tem que feder, suar e emitir gritos. Só assim será visto e talvez amado"
"Foi uma surpresa para Mauro, uma surpresa boa, como o beijo repentino de alguém a quem se preza ou um abraço de um amigo de fato, desses que não nos invejam e que, abnegados, querem para nós o que tanto desejam apenas para si mesmos"
"Tudo nela, sobretudo seus gestos passivos diante da dor e do infortúnio, apontava para um fim árido, um curso doente, um sentido reto demais, uma perda. Nem o suicídio a colocaria em sensata evidência. Sua vida tinha mesmo o gosto medicamentos da vacina"
"Com trabalho e mais dinheiro no bolso, os chifres não pesam. Pelo contrário, são motivo de riso entre amigos"
"Quando a gente se impõe um longo intervalo em alguma atividade até então intensa, o corpo se acostuma à preguiça, ao livre descanso no trânsito das horas, e ao menor esforço reclama, descamba na dor"
Presentes no livro de contos "O inédito de Kafka" (Cosac & Naify, 2003), de Mayrant Gallo, páginas 59, 47-48, 100, 58, 55, 91, 100 e 96, respectivamente.
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