David Foster Wallace interferido por Mirdad
"Existe uma semelhança enganosa nas mensagens das camisetas. Muitas servem para identificar o usuário como parte de um certo grupo e depois enaltecer o grupo por seu dinamismo sexual (...) Há algo complexo e estimulante no fato dessas mensagens não estarem sendo apenas pronunciadas, mas vestidas, como se fossem um crachá ou uma credencial. A mensagem elogia o usuário de uma certa forma e em troca o usuário referenda a mensagem estampando-a no peito, o que por sua vez deverá referendar o usuário como sujeito de gênio atrevido ou despudorado (...) O deprimente é que as camisetas não são somente impressas em massa, mas também tão sem graça e bobas que acabam situando o usuário naquele grande e lamentável grupo de pessoas que considera tais mensagens não somente Individuais mas também engraçadas. No fim tudo é muito complexo e deprimente"
"De novo na rua. Fantasmas proteicos de neblina e evaporação pairam nos acessos. O Pátio da Feira fica assustador com tudo montado mas ninguém à vista. Um ar sinistro de abandono às pressas, um sentimento parecido com o de fugir do jardim de infância e chegar em casa para descobrir que a família inteira se mandou deixando você para trás"
"Nos cantos dos ringues há bancos para as crianças sentarem e serem atendidas pelos treinadores das equipes. Os treinadores lembram os pais agressivos de vários dos meus amigos de infância – avermelhados, mandíbulas azuladas, pescoços taurinos, olhos rasgados, o tipo de homem que joga boliche, assiste à TV de cueca e supervisiona pancadarias selecionadas. Agora o protetor bucal de um lutador sai voando e atravessa o ringue dos catorze anos de uma ponta a outra deixando um rastro de fios de saliva e o público começa a urrar (...) Hall também se parece com praticamente todos os garotos que me surraram no colégio, até no bigodinho ralo e na dobra cruel do lábio superior"
"Não há negros no Salão de Baile Crespúsculo (...) Três duplas casadas de Rantoul, vestindo macacões cor de carvão à moda do Oeste, tecem uma filigrana inacreditável de sapateado em alta velocidade em cima de "R-E-S-P-E-C-T" de Aretha Franklin, e não há traço de ironia racial no recinto; a canção foi apropriada por essa gente, enfaticamente (...) Há uma certa atmosfera no salão – não racista, mas agressivamente branca. É difícil de descrever. É a mesma atmosfera de uma porção de eventos públicos do Meio-Oeste rural. Não que um negro fosse sofrer abusos caso entrasse aqui; é mais como se entrar aqui jamais pudesse passar pela cabeça de um negro"
"O povo do Kmart é geralmente gordo, vestido de poliéster, tem a cara amarrada e carrega crianças infelizes e sem vida. As perucas são daquele tipo brilhoso com corte quadrado e de uma obviedade comovente, e a maquiagem das mulheres é berrante e não raro aplicada de maneira assimétrica, conferindo uma aparência meio demente a muitos rostos femininos. Têm vozes ríspidas e gritam com seus familiares. É o tipo de pessoa que você vê batendo nos filhos no caixa do supermercado (...) Se arrastam de um lado a outro parecendo deslocados e profundamente perplexos, como se tivessem certeza de que aquilo que procuram está por aqui em algum lugar"
"Tampouco compreendo, preciso admitir, como alguém desembolsa grana para ser arremessado, suspenso, largado, sacudido de um lado para o outro em alta velocidade e pendurado ponta-cabeça até vomitar. Para mim, é como pagar para se envolver num acidente de carro"
"Acho que os funcionários de parques são os ciganos das regiões rurais dos Estados Unidos – itinerantes, insulares, morenos, sebentos, pouco confiáveis. Você não se sente atraído por eles de nenhuma forma. Todos possuem o mesmo olhar duro e vazio das pessoas no banheiro de um terminal rodoviário. Querem receber seu dinheiro e ver o que há por baixo da sua saia; fora isso você apenas bloqueia a visão"
"A melhor descrição do bronzeado dos funcionários do parque é que eles estão sinistramente bronzeados. Percebo que muitos deles possuem a testa baixa e a mandíbula prognata tipicamente asssociada à Síndrome Alcoólica Fetal. O funcionário que está operando o Scooter (...) estava largado na mesma posição e na mesma cadeira toda vez que o vi, mantendo o olhar perdido num ponto além dos carrinhos enlouquecidos e rasgando ingressos usados com a veemência inexpressiva de uma pessoa confinada numa Ala Psiquiátrica (...) pergunto em tom amável como ele faz para não pirar totalmente com o tédio de seu trabalho. Ele vira a cabeça muito devagar, revelando um tique facial severo: 'De que porra cê tá falando?'"
Trechos presentes no livro de ensaios "Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo" (Companhia das Letras, 2012), de David Foster Wallace.
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