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Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo, de David Foster Wallace — Parte 03

David Foster Wallace interferido por Mirdad


"Desespero é uma palavra que foi desgastada até se tornar banal, mas é uma palavra séria (...) Para mim, ela denota uma mistura simples – um estranho anseio pela morte combinado com um sentimento esmagador da minha pequenez e da minha futilidade, que se apresenta como um medo da morte (...) É como desejar morrer para escapar da sensação insuportável de compreender que sou pequeno e fraco e egoísta e que sem a menor dúvida vou morrer. É querer se atirar do navio"


"Um anúncio que finge ser arte é – na melhor das hipóteses – como alguém que abre um sorriso só porque deseja alguma coisa de você. É desonesto, mas ainda mais sinistro é o efeito cumulativo dessa desonestidade sobre nós: oferecendo um fac-símile ou simulacro perfeito de boa vontade sem o verdadeiro espírito da boa vontade, confunde nossa cabeça e com o tempo acaba aumentando nossas defesas mesmo diante de sorrisos genuínos, arte verdadeira e boa vontade real"


"Agora tenho 33 anos de idade e sinto que muito tempo passou e vai passando mais rápido a cada dia. Dia após dia preciso fazer todo tipo de escolhas sobre aquilo que é bom, importante e divertido, e depois preciso conviver com o confisco de todas as outras opções que essas escolhas eliminam"


"A melhor maneira de descrever a conduta de Scott Peterson é dizer que ele parece estar posando o tempo inteiro para uma fotografia que ninguém está tirando"


"Para mim, locais públicos na Costa Leste dos Estados Unidos são cheios desses momentinhos escrotos de observação racista seguida de recuo interno politicamente correto"


"O próprio oceano (que descobri ser salgado como o inferno, salgado como gargarejo para aliviar dores de garganta, com borrifos tão corrosivos que a armação dos meus óculos provavelmente terá de ser trocada) é em essência um enorme mecanismo de decomposição. A água do mar corrói embarcações a uma velocidade impressionante – enferruja, descasca a pintura, desgasta o verniz, embota o brilho, cobre os cascos dos navios de cracas, aglomerações de algas e um muco náutico onipresente que parece a morte encarnada"


"Férias são uma trégua de coisas desagradáveis, e como a consciência da morte e da composição é desagradável, pode parecer estranho que os americanos sonhem em passar as férias enfiados num imenso mecanismo primordial de morte e decomposição. Mas num Cruzeiro de Luxo 7NC somos envolvidos com destreza na construção de fantasias variadas de triunfo sobre essa morte e essa decomposição. Uma das maneiras de 'triunfar' é mediante os rigores do autoaprimoramento; e a manutenção anfetamínica do Nadir pela tripulação é um análogo nada sutil do adornamento pessoal: dietas, exercícios, suplementos de vitaminas..."



Trechos presentes no livro de ensaios "Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo" (Companhia das Letras, 2012), de David Foster Wallace.

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