David Foster Wallace interferido por Mirdad
"Ser um turista massificado, para mim, é se tornar um puro americano contempo-râneo: alheio, ignorante, ávido por algo que nunca poderá ter, frustrado de um modo que nunca poderá admitir. É macular, através de pura ontologia, a própria imaculabilidade que se foi experimentar. É se impor sobre lugares que, em todas as formas não econômicas, seriam melhores e mais verdadeiros sem a sua presença. É confrontar, em filas e engarrafamentos, transação após transação, uma dimensão de si mesmo tão inescapável quanto dolorosa: na condição de turista você se torna economicamente significativo mas existencialmente detestável, um inseto sobre uma coisa morta"
"Um detalhe tão óbvio que a maioria das receitas nem se preocupa em mencionar é que as lagostas precisam estar vivas ao serem colocadas no tacho. Isso faz parte do apelo contemporâneo da lagosta – é o alimento mais fresco que existe (...) Chegam vivas dentro das armadilhas, são colocadas em recipientes com água do mar e podem (...) sobreviver até o instante em que são fervidas (...) Então aqui vai uma pergunta que se torna praticamente inevitável diante da Maior Panela Para Lagostas do Mundo e pode vir à tona em cozinhas espalhadas por todos os Estados Unidos: é certo ferver viva uma criatura senciente para o nosso mero prazer gustativo?"
"Não existe só o problema de que as lagostas são fervidas vivas, mas também o de que quem faz isso é você – ou pelo menos isso é feito especificamente para você, in loco (...) Pelo menos comer lagostas não torna ninguém cúmplice do sistema corporativo de fazendas de confinamento que produz a maior parte da carne de gado, porco e frango. Por conta, no mínimo, do modo como são comercializadas e embaladas, comemos essas carnes sem ter de pensar que um dia já foram criaturas sencientes e dotadas de consciência às quais foram feitas coisas horríveis"
"Quando é despejada do recipiente para dentro do tacho fumegante, às vezes a lagosta tenta se segurar nas bordas do recipiente ou até mesmo enganchar as garras na beira do tacho como uma pessoa dependurada de um telhado, tentando não cair. Pior ainda é quando a lagosta fica imersa por completo. Mesmo que o sujeito tampe o tacho e saia de perto, normalmente é possível ouvir a tampa chacoalhando e rangendo enquanto a lagosta tenta empurrá-la. Ou escutar as garras da criatura raspando o interior do tacho enquanto se debate. Em outras palavras, a lagosta apresenta um comportamento muito parecido com o que eu ou você apresentaríamos se fôssemos atirados em água fervente"
"Proponho a vocês que esse é o valor real e sério que precisa ser transmitido numa educação em ciências humanas: Como ter uma vida adulta confortável, próspera e respeitável sem estar morto ou inconsciente, sem ser escravo da própria cabeça e da configuração padrão natural que nos condena a estar singular, completa e imperialmente sozinhos dia após dia"
"O suposto 'mundo real' nunca desencorajará vocês de operarem nas configurações padrão, porque o suposto 'mundo real' dos homens, do dinheiro e do poder avança tranquilamente movido pelo medo, pelo desprezo, pela frustração, pela ânsia e pela veneração do ego. Nossa cultura atual canalizou essas forças de modo a produzir doses extraordinárias de riqueza, conforto e liberdade pessoal. A liberdade de sermos senhores de reinos minúsculos, do tamanho dos nossos crânios, sozinhos dentro de toda a criação"
"O tipo realmente importante de liberdade requer atenção, consciência, disciplina, esforço e a capacidade de se importar genuinamente com os outros e de se sacrificar por eles inúmeras vezes, todos os dias, numa miríade de formas corriqueiras e pouco excitantes. Essa é a verdadeira liberdade. Isso é ter aprendido a pensar. A alternativa é a inconsciência, a configuração padrão, a 'corrida de ratos' – a sensação permanente e corrosiva de ter possuído e perdido alguma coisa infinita"
Trechos presentes no livro de ensaios "Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo" (Companhia das Letras, 2012), de David Foster Wallace.
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