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Vamos ouvir: Homens Lentos, de A Fase Rosa

Homens Lentos (2013) - A Fase Rosa

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Release por Makely Ka disponível no site da banda:

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O nome da banda me lança imediatamente em dois universos bem diferentes. Um é obviamente o período rosa do pintor espanhol Pablo Picasso, marcado por uma leveza irônica, povoado de acrobatas, palhaços, prostitutas, por um certo erotismo subersivo. O outro me remete ao ruído rosa usado como sinal sonoro de referência para calibragem de sistemas de áudio. Tecnicamente falando, o ruído rosa pode ser definido como um tipo de som onde a energia é igual em todas as oitavas.

Ouvindo o disco encontro, de forma difusa, mas reincidente, elementos que justificam essa minha primeira impressão. Mais do que isso, o caráter técnico se entrelaça ao conceitual. Isso se manifesta tanto nas letras quanto nos arranjos, assim como nos temas ou mesmo na decantação dos timbres das guitarras que justificam a referência ao universo da engenharia acústica.

Mas após a audição me ocorre ainda outro significado para o nome da banda: o poder rosa. A ambiguidade do termo sugere o potencial iconoclasta num momento de crise profunda do sistema patriarcal, de discussões sobre liberdade de expressão e manifestações públicas de homofobia vindas de autoridades religiosas. Mas a provocação é sutil, não está explícita.

Pertencentes à geração Praia da Estação, sua música contamina pelo entusiasmo, pelo espírito coletivo, pela vontade de mudar o rumo dos acontecimentos e interferir na cena cultural da cidade e do país. A Fase Rosa talvez seja das mais representativas dessa movimentação por trazer alguns elementos que resumem esse momento: a irreverência combativa, a crítica social cruzando referências do universo pop, a mistura de elementos musicais da alta e da baixa cultura de forma orgânica. Cabe ressaltar que para essa geração, a mistura de repertórios não é mais um conteúdo programático, ela é natural. Por isso, referências a Radiohead podem estar numa música que dialoga ritmicamente com o axé. Sem conflito ou provocação, eles cresceram assim.

De fato há um frescor, uma liberdade criativa, um despojamento que destoa da prática recorrente em Minas no campo da canção, geralmente tão introspectiva e de aspiração transcendente.

Há, de outro lado, uma ação paralela à música propriamente dita, uma ação de cunho político e social, que ganha vulto em manifestações que dialogam com a cidade, não somente a Praia da Estação, mas também o Carnaval de Rua, a Marcha da Liberdade, a Marcha das Vadias etc. Todas manifestações de caráter eminentemente paródico e alegórico com elementos cênicos e circenses. Como diz o refrão de Colorida (que pode ser lida como outra alusão à ambiguidade do poder rosa) “somos filhos do carnaval” e isso significa muito mais do que uma herança carnavalesca em sentido restrito.

A Fase Rosa é um dos grupos que dá sentido, com sua poesia, a algumas dessas articulações que vem movimentando a cidade. Isso sem assumir uma postura panfletária, mas intuindo o tom exato para expressar uma vontade coletiva, eles captaram, quase despretensiosamente, o zeitgeist do momento e o transformaram em música.

A correspondência entre a ação política que ocupa praças e arregimenta manifestações de caráter lúdico contra o poder público e a postura aguerrida - mas aparentemente despretensiosa da banda - me parece sintomático da consciência da dimensão simbólica dessas ações. É que a contradição aparente na opção pelo formato da música pop não impede o adensamento necessário para uma verdadeira transformação no cenário, conferindo tônus ao discurso poético, sugerido no ímpeto contestador capaz de gerar a fagulha para uma verdadeira combustão.

Talvez seja uma expectativa superdimensionada para garotos que querem, sobretudo, se divertir. Mas o caráter dessas manifestações não deixa de ser festivo e ao mesmo tempo contestador.

Num momento em que a juventude se levanta no mundo todo em ocupações simbólicas exigindo mudanças nos sistemas políticos, talvez esta seja a forma dos belorizontinos estabelecerem essa ligação mais orgânica entre a ação e o discurso, entre o conteúdo e a forma, ou ainda, entre arte e política. Energia em todas as oitavas. Essas dicotomias não me parecem ter sido simplesmente superadas por um novo estatuto da arte ou coisa que o valha. Pelo contrário, reside aí a sua força transformadora. Poderia dizer, inclusive, que cada vez mais a arte que faz diferença é aquela que possui algum questionamento político, principalmente quando surge de forma sutil, subentendida, metafórica. Porque não é preto no branco, é mais suave, tem mais nuances, costuma ser a que tem maior potencial transformador.

Por tudo isso só me resta saudar a chegada deste primeiro álbum e desejar vida longa à Fase Rosa!
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